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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA
Sem dúvida, sobre a URSS pesavam mais do que nunca, com a
ascensão do nazismo, ameaças claramente configuradas de guerra de
extermínio. Os círculos dirigentes das grandes potências liberal-capi-
talistas tinham aceitado o rearmamento acelerado do “Reich de mil
anos”, calculando que conseguiriam levar Hitler a concentrar nos co-
munistas sua fúria destrutiva. Aceitaram também que o Führer e seu
parceiro Mussolini contribuíssem decisivamente, desde 1936, para que
o fascismo militar espanhol esmagasse o governo republicano da Fren-
te Popular . Nesse contexto, era imperativo tomar todas as medidas
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necessárias para defender o povo e o território soviéticos. É muito di-
fícil aquilatar quão efetiva era a ameaça de um golpe de Estado para
derrubar Stálin, objetivo central dos chefes da oposição. Mas, em qual-
quer hipótese, seu efeito imediato seria tornar o país dos sovietes mais
vulnerável a uma agressão nazi-fascista. Nos processos de Moscou, foi
fácil ao procurador-geral Andrei Vychinski explorar a ambiguidade da
situação, acusando os opositores de fazer o jogo dos nazistas; veteranos
dirigentes bolchevistas foram sumariamente condenados à morte por
traição, espionagem etc. Mesmo descontando a caricatural satanização
fabricada pelos anticomunistas profissionais, foi enorme o “excedente
de violência” do ciclo de terror vermelho de 1936-1938.
A grande vitória de 1945, quando a URSS atingiu o auge de seu
poderio, não suprimiu o Estado de exceção que continuou a prevalecer
sobre os direitos e liberdades garantidos no texto da Constituição de
1936. As tensões permanentes da “guerra fria” e do equilíbrio do terror
nuclear EUA/URSS explicam em alguma medida, mas não justificam,
a fragilidade das leis socialistas. A Constituição de 1977, que substituiu
a de 1936, durou pouco mais de uma década. Sucumbiu às fracassadas
reformas liberais de Gorbachev que abriram caminho à contrarrevolu-
ção capitalista de Ieltsin.
15 A cumplicidade franco-britânica com Hitler tornou-se ainda mais clara em 29 de setembro de 1938, quando
Daladier e Chamberlain (chefes de governo respectivamente da França e da Inglaterra) assinaram com o regime
hitleriano o pacto liberal-nazista de Munique, que autorizou a Alemanha, a Polônia e a Hungria a esquartejarem a
Tchecoslováquia. A União Soviética, que mantinha um tratado de defesa mútua com o governo tcheco, foi deixada
fora das negociações, ao passo que Mussolini foi amistosamente acolhido.
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