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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


                Para nós, entretanto, o porvir de Marx já é o passado, concretizado
           nas revoluções que compõem a trama histórica dos cento e setenta anos
           transcorridos desde então. Elas tampouco escaparam do “descompas-
           so entre programas e resultados, próprio a qualquer revolução”, como
           notou Losurdo. Não se trata de um descompasso meramente quantita-
           tivo (como quando se constata que determinada revolução só atingiu
           parcialmente seus objetivos), mas de desvios de rota provocados por
           ilusões doutrinárias e contradições mal resolvidas. Pretendemos aqui
           somente apontar as questões fundamentais que essa discussão envolve.
           Desde logo, parece-nos indispensável discernir: (a) esperanças mera-
           mente utópicas, que não se realizarão; (b) perspectivas que sob nosso
           horizonte histórico permanecem longínquas, fora do alcance das lutas
           que hoje travamos; e (c) objetivos distantes e difíceis de atingir, mas
           necessários à própria sobrevivência da espécie humana. A ideia de que
           uma sociedade sem exploração de classe tenderia espontaneamente a
           dispensar qualquer tipo de autoridade pode ser considerada uma utopia
           anarquista. Não nos parece utópica, porém, embora esteja longínqua, a
           perspectiva de uma sociedade que regule consensualmente as normas
           de conduta, coibindo atos e comportamentos antissociais. Tais normas
           exigirão, para vigorar, instâncias que cumpram funções equivalentes às
           de um sistema jurídico e penal, claro que com critérios e métodos pró-
           prios a um patamar superior de civilização.
                No que concerne à experiência soviética, o esforço por consolidar
           um sistema socialista efetivo de direitos e garantias foi prejudicado pela
           tese de que o Estado tenderia gradualmente a se extinguir. Discutir se
           essa tese é intrinsecamente utópica ou se configurava uma possibilida-
           de objetiva quando, na perspectiva da revolução proletária nos países
           imperialistas, foi atualizada por Lênin a partir das formulações de Marx
           e de Engels, é um dos temas mais importantes e complexos do materia-
           lismo histórico. Cumpre admitir, com Losurdo, que a URSS não somen-
           te não chegou perto desses objetivos, mas sobretudo “nunca conseguiu
           marchar nessa direção”. No entanto, uma de suas mais importantes



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