Page 141 - Fernando Pessoa
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FERNANDO  PESSOA

                             Perdi,  antes  de  nascer,  o  meu  castelo  antigo.  Foram
                         vendidas, antes que eu fosse,  as tapeçarias [d]o  meu  palácio
                         ancestral. O meu solar de  antes da  vida  caiu  em  ruina,  e só
                        em certos momentos, quando o luar nasce em mim de sobre
                        os  juncos  do  rio,  me  esfria  a  saudade  dos  lados  de  onde  o
                         resto desdentado das paredes se recorta negro contra o céu de
                         azul escuro esbranquiçado a amarelo de leite.


                             Distingo-me a esfinges.  E do  regaço da  rainha  que  me
                         falta, cai, como um episódio do bordado inútil,  o novelo es-
                         quecido da minha alma.  Rola para debaixo do contador  com
                         embutidos, e há aquilo em mim que o segue como olhos até
                         que se perde num grande horror de túmulo e de fim.





                             Mas a exclusão, que me impus, dos fins e dos movimen-
                         tos da vida; a ruptura, que procurei, do meu contato com as
                        coisas —  levou-me precisamente àquilo a que eu procurava
                         fugir.  Eu não queria sentir a vida,  nem tocar nas coisas,  sa-
                        bendo, pela experiência do  meu temperamento  em  contágio
                         do mundo, que a sensação da vida era sempre dolorosa para
                         mim.  Mas ao evitar esse contato, isolei-me, e,  isolando-me,
                        exacerbei a  minha sensibilidade já excessiva.  Se  fosse possí-
                         vel cortar de todo o contato com as coisas, bem iria à minha
                         sensibilidade. Mas esse isolamento total não pode realizar-se.
                         Por  menos  que  eu  faça,  respiro,  por  menos  que  aja,  movo-
                         me.  E,  assim,  conseguindo exacerbar a minha  sensibilidade
                        pelo  isolamento,  consegui que os  fatos  mínimos,  que  antes
                        mesmo   a  mim  nada  fariam,  me  ferissem  como  catástrofes.
                         Errei o método de fuga. Fugi, por um rodeio incômodo, para
                        o mesmo lugar onde estava,  com o cansaço da  viagem  sobre
                        o horror de viver ali.


                             Nunca encarei o suicídio como uma solução, porque eu
                        odeio  a  vida  por  amor  a  ela.  Levei  tempo  a  convencer-me
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