Page 158 - Fernando Pessoa
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LIVRO  DO  DESASSOSSEGO




                Considerar a nossa  maior  angústia como  um  incidente
            sem importância, não só na vida do universo, mas na da nos-
            sa  mesma alma, é o principio da  sabedoria.  Considerar  isto
            em pleno meio dessa angústia é a  sabedoria inteira.  No mo-
            mento em que sofremos, parece que a dor humana é infinita.
            Mas nem a dor humana é  infinita,  pois  nada há  humano de
            infinito, nem a nossa dor vale mais que ser uma dor que nós
            temos.

                Quantas vezes,  sob o peso de um  tédio  que  parece  ser
            loucura,  ou  de  uma  angústia  que  parece  passar  além  dela,
            paro, hesitante, antes que me revolte, hesito, parando, antes
            que  me  divinize.  Dor  de  não  saber  o  que  é  o  mistério  do
            mundo,  dor  de nos  não  amarem,  dor de serem  injustos  co-
            nosco, dor de pesar a vida sobre nós, sufocando e prendendo,
            dor de dentes, dor de sapatos apertados —  quem  pode dizer
            qual é maior em  si  mesmo,  quanto mais nos  outros,  ou  na
            generalidade dos que existem?
                Para alguns que me falam e me ouvem,  sou um insensí-
            vel. Sou, porém, mais sensível — creio — que a vasta maio-
            ria dos homens.  O  que sou, contudo, é um  sensível  que  se
            conhece, e que, portanto, conhece a sensibilidade.
                Ah, não é verdade que a vida seja dolorosa, ou que seja
            doloroso pensar na vida. O que é verdade é que a nossa dor só
            é séria e grave quando a fingimos tal. Se formos naturais, ela
            passará  assim  como veio,  esbater-se-á  assim  como  cresceu.
            Tudo é nada, e a nossa dor-nele.
                Escrevo isto sob a opressão de um tédio que parece não
            caber em mim, ou precisar de mais que da minha  alma  para
            ter onde estar;  de uma opressão  de todos e de tudo que  me
            estrangula  e  desvaira;  de  um  sentimento  físico  da  incom-
            preensão  alheia que me perturba e esmaga.  Mas  ergo  a  ca-
            beça para o céu azul alheio, exponho a face ao vento incons-
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