Page 222 - Fernando Pessoa
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LIVRO  DO  DESASSOSSEGO

             Ouem simpatiza pára. O homem de ação considera o mundo
             externo como composto exclusivamente de matéria inerte —
             ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou
             que  afasta  do  caminho;  ou  inerte  como  um  ente  humano
             que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem
             como pedra, pois, como à pedra, ou se  afastou ou  se  passou
             por cima.


                 O exemplo máximo do homem prático, porque reúne a
             extrema concentração da ação com a sua extrema importân-
             cia, é a do estratégico.  Toda a  vida é guerra, e a batalha  é,
             pois,  a síntese da vida.  Ora o estratégico é um homem  que
             joga com vidas como o jogador de xadrez com peças do jogo.
             Que seria do estratégico se pensasse  que  cada  lance  do  seu
             jogo  põe noite em  mil lares e  mágoa em  três  mil corações?
             Que  seria  do  mundo  se  fôssemos  humanos?  Se  o  homem
             sentisse deveras, não haveria civilização. A arte serve de fuga
             para a sensibilidade que a ação teve que esquecer. A arte é a
             Gata  Borralheira,  que  ficou  em  casa  porque  teve  que  ser.

                 Todo o homem de ação é essencialmente animado e oti-
             mista porque quem não sente é feliz. Conhece-se um homem
             de ação por nunca estar mal disposto. Quem trabalha embora
             esteja  mal  disposto  é  um  subsidiário  da  ação;  pode  ser  na
             vida,  na  grande  generalidade  da  vida,  um  guarda-livros,
             como  eu  sou  na particularidade  dela.  O que não  pode  ser é
             um regente de coisas ou de homens.  A regência pertence a
             insensibilidade. Governa quem é alegre porque para ser triste
             é preciso sentir.

                 O patrão Vasques fez hoje um negócio em que arruinou
             um indivíduo doente e a família.  Enquanto  fez o negócio es-
             queceu por completo que esse indivíduo existia, exceto como
             parte contrária comercial.  Feito o negócio,  veio-lhe a sensi-
             bilidade. Só depois, é claro, pois, se viesse antes, o negócio
             nunca se  faria.  "Tenho  pena do tipo",  disse-me ele.  "Vai
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