Page 42 - Fernando Pessoa
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LIVRO  DO  DESASSOSSEGO

           prazer,  aumentá-la ou diminuí-la,  alargá-la para  além  de to-
           das as velocidades possíveis de veículos comboios.

                Correr riscos reais, além de me apavorar não é por medo
           que eu sinta excessivamente — perturba-me a  perfeita  aten-
           ção  às minhas sensações, o que  me incomoda e  me  desper-
           sonaliza.
                Nunca vou para onde há risco.  Tenho medo a tédio dos
           perigos.

                Um poente é um fenômeno intelectual.




                Penso, muitas vezes, em como eu seria se, resguardado
           do  vento  da sorte  pelo  biombo  da  riqueza,  nunca  houvesse
           sido trazido, pela mão moral de meu tio,  para um escritório
           de Lisboa, nem houvesse ascendido dele para outros, até este
           píncaro  barato  de  bom  ajudante  de  guarda-livros,  com  um
           trabalho  como  uma  certa  sesta e  um  ordenado  que  dá  para
           estar a viver.

                Sei bem que, se esse passado que não foi tivesse sido, eu
            não seria  hoje o  capaz de escrever estas páginas,  em  todo o
            caso melhores, por algumas, do que as nenhumas que em me-
           lhores circunstâncias não teria feito mais que sonhar. É que a
           banalidade é uma  inteligência e  a  realidade,  sobretudo  se  é
           estúpida ou áspera, um complemento natural da alma.


                Devo  ao  ser  guarda-livros  grande  parte  do  que  posso
           sentir e pensar como a negação e a fuga do cargo.


                Se  houvesse  de  inscrever,  no  lugar  sem  letras  de  res-
           posta a um questionário,  a  que  influências  literárias  estava
           grata a formação do meu espírito,  abriria o espaço ponteado
           com o nome de Cesário Verde, mas não o fecharia sem nele
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