Page 6 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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CAPÍTULO 1
    AMERIGO  BONASERA,  sentado  na  Terceira  Corte  criminal  de  Nova  York.  esperava
  justiça; vingança contra os homens que tão cruelmente maltrataram sua filha, que procuraram
  desonrá-la.
    O juiz, um homem de aspecto extremamente sisudo, arregaçou as mangas de sua toga preta
  como que para castigar fisicamente os dois jovens posta- dos à sua frente. O seu rosto lívido
  denunciava um desprezo imponente. Mas havia alguma coisa falsa em tudo isso, alguma coisa
  que Amerigo Bonasera sentia, mas ainda não compreendia.
    — Vocês procederam como a pior espécie de degenerados — disse o juiz asperamente.
    Sim,  sim,  pensava  Amerigo  Bonasera.  Animais.  Animais.  Os  dois  jovens,  de  cabelo
  glostorado  cortado  à  escovinha,  rosto  escanhoado  apresentando  uma  contrição  humilde,
  baixaram a cabeça submissamente.
    — Vocês procederam como animais ferozes na selva — prosseguiu o juiz e tiveram sorte
  que não molestaram sexualmente essa pobre moça, pois então eu os condenaria a vinte anos de
  cadeia.
    O  juiz  fez  uma  pausa,  os  seus  olhos  por  baixo  das  sobrancelhas  impressionantemente
  cerradas piscaram manhosamente para o pálido Amerigo Bonasera, depois ergueram-se para
  uma pilha de relatórios, aconselhando a concessão de sursis, acumulados à sua frente. Ele franziu
  as sobrancelhas e deu de ombros como que convencido contra a sua própria vontade natural.
    — Mas devido à juventude de vocês, a ficha limpa de vocês, devido às boas famílias a que
  vocês  pertencem  e  levando  em  conta  o  fato  de  que  a  lei  em  sua  majestade  não  procura
  vingança,  eu  conseqüentemente  os  condeno  a  três  anos  de  reclusão.  Tal  pena,  porém,  ficará
  suspensa — arrematou o juiz.
    Somente quarenta anos de luto profissional impediram que a poderosa frustração e o ódio
  transparecessem no rosto de Amerigo Bonasera. A sua linda filha ainda se encontrava no hospital
  com o maxilar fraturado, devidamente costurado com fio metálico; e agora esses dois animales
  eram assim libertados? Tudo fora uma farsa. Ele observava o pais felizes aglomerarem-se em
  torno de seus queridos filhos. Oh, todos estavam felizes, e riam agora.
    O fel negro, extremamente amargo, subiu á garganta de Bonasera e atravessou-lhe os dentes
  apertadamente  cerrados.  Ele  pegou  o  seu  lenço  de  linho  branco  e  manteve  de  encontro  aos
  lábios. Estava nessa atitude, quando os dois jovens caminharam livremente pelo corredor entre as
  filas  de  assentos,  com  olhar  frio  e  confiante,  rindo,  sem  nem  sequer  dar-lhe  uma  simples
  olhadela. Ele os deixou passar sem dizer uma palavra, comprimindo o lenço de encontro à boca.
    Os  pais  dos animales  estavam  vindo  agora,  dois  homens  e  duas  mulheres  da  idade  dele,
  porém  mais  americanos  no  trajar.  Olharam  pare  ele,  envergonhados,  mas  os  seus  olhos
  irradiavam um desafio singular e triunfante.
    Fora  de  controle,  Bonasera  inclinou-se  para  o  corredor  entre  as  filas  de  assentos  e  gritou
  asperamente:
    —  Vocês  hão  de  chorar  como  eu  chorei...  hei  de  fazê-los  chorar  como  seus  filhos  me
  fizeram chorar — e levou o lenço aos olhos.
    Os advogados de defesa, que marchavam na retaguarda, empurraram seus clientes para a
  frente, formando um pequeno grupo apertado em torno dos dois jovens, que haviam iniciado o
  caminho  de  volta  pelo  corredor  como  que  para  proteger  seus  pais.  Um  corpulento  oficial  de
  justiça correu imediatamente a fim de bloquear a fila em que se encontrava Bonasera. Mas não
  foi necessário.
    Durante todos os anos que vivera na América, Bonasera confiara na lei e na ordem. E assim
  prosperara. Agora, conquanto o seu cérebro estourasse de ódio e a idéia feroz de comprar uma
  arma e matar os dois jovens martelasse em sua cabeça, Bonasera voltou-se para a sua esposa,
  ainda perplexa, e explicou:
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