Page 7 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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— Eles nos fizeram de trouxas. Fez uma pausa e depois tomou uma decisão, não mais
temendo quanto lhe custaria isso. — Para conseguir justiça, temos de ir de joelhos a Don
Corleone.
No apartamento espalhafatosamente decorado de um hotel de Los Angeles, Johnny Fontane
estava tão ciumentamente embriagado como qualquer outro marido. Escarrapachado num divã
vermelho, ele bebia diretamente na garrafa de uísque que segurava na mão, depois tirava o gosto
da bebida metendo a boca num balde de cristal contendo cubos de gelo e água. Eram quatro
horas da manhã, e ele continuava imaginando, com sua mente ébria, a maneira de matar a sua
mulher ordinária, quando ela chegasse a casa. Se ela de fato voltasse para casa. Era muito tarde
para chamar a sua primeira mulher, a fim de pedir notícias das crianças, e ele achava engraçado
chamar qualquer dos seus amigos, agora que sua carreira estava afundando rapidamente. Houve
época em que eles se sentiriam prazerosos, lisonjeados, por ele ter-lhes chamado às quatro horas
da manhã, mas agora ele lhes causava aborrecimento. Ele podia até rir um pouco consigo
mesmo ao pensar que, na fase de ascensão, as complicações de Johnny Fontane chegaram a
empolgar algumas das maiores atrizes da América.
“Mamando” a sua garrafa de uísque, ele ouviu finalmente a chave da sua mulher mover-se
na fechadura da porta, mas continuou a beber até que ela entrou na sala e se postou à sua frente.
Ela era para ele tão bonita, com seu rosto angélico, seus olhos violeta expressivos, seu corpo
delicadamente frágil, mas de formas perfeitas. Na tela, a sua beleza se ampliava, se
espiritualizava. Uma centena de milhões de homens no mundo inteiro estavam apaixonados pelo
rosto de Margot Ashton. E pagavam para vê-lo na tela.
— Onde diabo estava você? — perguntou Johnny Fontane.
— Lá fora paquerando — respondeu ela.
Ela calculara mal sua bebedeira. Johnny saltou por cima da mesinha de bebidas e agarrou-a
pela garganta. Mas ao se ver perto desse rosto enfeitiçado, desses adoráveis olhos violeta, ele
perdeu a raiva e sentiu-se desanimado novamente. Ela cometeu o erro de rir zombeteiramente e
percebeu o punho dele voltar-lhe violentamente.
— Johnny, no rosto não, eu estou fazendo um filme — gritou ela.
Ela estava rindo. Ele bateu-lhe no estômago e ela caiu no chão. Johnny caiu em cima dela.
Podia sentir-lhe a respiração perfumada e ofegante. Bateu. lhe nos braços e nos músculos das
coxas de suas macias pernas queimadas pelo sol. Batia-lhe do jeito como castigava garotos
menores, há muito tempo, quando era um rapazinho turbulento, num mal-afamado bairro de
Nova York. Um castigo doloroso que não deixaria qualquer desfiguração duradoura de dentes
soltos ou nariz quebrado.
Mas não batia nela com bastante força. Não podia. E ela zombava dele. Esparramada no
chão, com o seu vestido de brocado levantado acima das coxas, ela escarnecia dele entre risadas.
— Vamos, continue. Continue, Johnny, isso é o que você realmente quer.
Johnny Fontane levantou-se. Odiava a mulher que estava no chão, mas a beleza dela era um
mágico escudo de proteção. Margot rolou no solo, e num salto de dançarina pôs-se de pé em
frente dele e começou a executar uma espécie de dança infantil zombeteira, cantando — Johnny
nunca me machucou, Johnny nunca me machucou.
— Seu patife idiota — disse depois, quase tristemente, com sua beleza serena — castigando-
me como uma criança. Ah, Johnny, você será sempre um bichinho bem romântico, você até
ama como uma criança. Ainda pensa que trepar com a mulher é o mesmo que cantarolar
aquelas cantigas enjoadas que você costumava cantar. — Balançou a cabeça e arrematou: —
Pobre Johnny. Adeus, Johnny.
Encaminhou-se para o quarto de dormir e ele ouviu-a girar a chave na fechadura.
Johnny sentou-se no chão com o rosto entre as mãos. O desespero doentio e humilhante
dominou-o completamente. E, então, a firmeza sórdida que o ajudara a sobreviver na selva de
Hollywood fê-lo pegar o telefone e chamar um táxi, para levá-lo ao aeroporto. Só havia uma
pessoa que podia salvá-lo. Voltaria para Nova York. Voltaria para o único homem que tinha o