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ALGUNS RESULTADOS INÉDITOS
e dispendioso. Sabe-se que o entulho produzido pela
demolição da Capela de Guadalupe, assim como de Declaro que o meu enterro será feito na forma
outros lugares e até o lixo da varredura das ruas foram seguinte: amortalhado em um lençol branco
utilizados em alguns trechos da obra. Em 1869, a rua convidando-se a seis pobres para conduzir o meu
da Vala possuía apenas 1.345m² já pavimentados dos corpo à igreja da Conceição do Boqueirão, ou à
8.282m² a serem calçados. de nossa Senhora d´aguadalupe, onde desejo ser
sepultado, ou na igreja que melhor convier a minha
Segundo Sampaio, a outra finalidade da obra na rua
testamenteira, dando-se a estes pobres dois mil reis
da Vala era interligar as duas colinas da cidade alta
de esmola a cada um .
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(as freguesias da Sé e a de Nazaré). Salvador estava
em expansão: exigia novas áreas para a construção Houve tentativas de separar os vivos do convívio dos
de imóveis e amplas vias de acesso, no caso as atuais mortos, inclusive por parte da própria Igreja Católica,
ladeira da Praça e ladeira do Gravatá. por meio do que se chamou de carneiros – sepulturas
que formavam paredes nos subsolos das igrejas,
As igrejas não eram apenas centros religiosos
também chamadas de catacumbas, pela semelhança
importantes – nelas se realizavam eleições, discussões
com os cemitérios subterrâneos dos primeiros cristãos.
políticas, audiências judiciais. Eram locais de celebração
Todas as ordens terceiras da Bahia construíram seus
dos principais eventos da vida dos católicos: o batismo,
carneiros durante o século XVIII, porém o locais mais
o casamento e as encomendações, por ocasião da
desejados para os enterramentos eram as igrejas
morte. Para um católico, ser sepultado em solo sagrado,
ligadas a irmandades que não possuíam tal estrutura.
ou seja, dentro de uma igreja, era estar mais próximo da
A ruptura com a tradição de se enterrar os mortos nas
salvação, pois “morrer sem enterro significava virar alma
igrejas só pôde ser feita de maneira definitiva por meio
penada” (Reis, 1991, p. 171). Esse costume foi incentivado
da introdução de novo agente, no caso, a epidemia de
pela Igreja Católica durante séculos e cultivado por toda
cólera-morbo.
a população, de escravos a ricos senhores de engenho,
incluindo aí os estrangeiros. A Capela de Nossa Senhora de Guadalupe foi um grande
centro de enterramento, o terceiro na freguesia da Sé.
Era muito comum as pessoas indicarem, em testamento,
Não sabemos se em 1855, ano do cólera e da proibição
o local onde queriam ser enterradas, como João Nunes
definitiva das inumações nos centros urbanos, a capela
Pereira, que pediu: “Meu corpo será levado para ser
ainda ocupava tal posição. No entanto, mesmo em 1855,
sepultado na Capela de Nossa Senhora de Guadalupe,
um ano antes de sua demolição, houve testamentos com
conduzido pela respectiva Irmandade” . Havia
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pedidos de sepultamento na área da capela. O que nos
indicações mais detalhadas, como no caso de João
leva a crer que a população gostaria de manter a tradição.
Alves da Conceição, que deixou registrado:
244 31 APEB, seção judiciária, livro de registro de testamento,
n. 38, p. 31 verso. 32 Idem, ibidem, n. 36, p. 71.
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