Page 17 - Cinema Português
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Primeiras décadas do Cinema em Portugal
negativamente na sua obra cinematográfica, muito desigual, que transita do realismo poético para o populismo
e daí para o «film d’art». Desde o fono-filme “A Severa” ao “Vendaval Maravilhoso”, passando por “Ala-Arriba”
e “Camões”, a filmografia de Leitão de Barros é um zigue-zague constante, com altos e baixos dentro mesmo
de cada obra. Mas, sem “Maria do Mar”, “Nazaré”, e “A Severa”, talvez o cinema português não tivesse ganho
fôlego para uma nova arrancada. E nessa arrancada Leitão de Barros teve papel relevante. Lança-se nela
com a decisão do pioneiro e com o espírito de quem parte para uma maravilhosa aventura. Quando filma
Nazaré, quando realiza “Maria do Mar”, supera com engenho os problemas da falta de meios técnicos. Com
entusiasmo feito de amor pelo cinema. Com plena consciência de que o cinema, em Portugal, é, nessa altura,
uma actividade artesanal no meio de carências de toda a espécie.
Em 1931, o cinema tornara-se sonoro e falante. A maior parte das vezes falava pelos cotovelos (para
dizer muito pouco) e cantava a todo o propósito. Pensou-se, na altura, que o sonoro iria prejudicar a
universalidade do espectáculo cinematográfico e favorecer as cinematografias nacionais. Leitão de Barros
apercebeu-se logo das potencialidades do cinema sonoro e das grandes possibilidades de êxito que teria o
primeiro filme falado e cantado em português. Sem esperar pela criação de um estúdio devidamente equipado,
encetou a realização de “A Severa”, cuja sonorização seria feita em Paris, nos estúdios de Epinay. Júlio
Dantas volta, assim, ao cinema português - e, por via disso, entram no cinema português o fado e os touros,
de que dificilmente nos havemos de libertar, mais o marialvismo que lhe está adstrito...
O fono-filme “A Severa” teve um êxito invulgar. O filme ia ao encontro do gosto popular, tinha de tudo:
as belas imagens da lezíria, as faustosas festas da aristocracia, os fados, as facetas cómicas do Timpanas (a
canção interpretada pelo Silvestre Alegrim fez carreira), os confrontos da marquesa com a fadista, as corridas
de toiros, um fandango dançado por Francis, a grotesca paixão do Custódia e a morte da Severa cercada por
populares envergando trajes regionais de todas as províncias portuguesas (simbolizando Portugal chorando a
morte do Fado).
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