Page 42 - Teatros de Lisboa
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Teatro de Thalia ou Teatro das Laranjeiras


               harpas  do  arvoredo . . .  Que representações tão distinctas, que bailes tão  deslumbrantes, então que  se
               manifestava um como  movimento regressivo ás suggestivas décollettages  do  Trianon e  do Directorio, aos
               sumptuosos decotes que proclamavam galantemente a liberdade dos seios, pondo a nú túrgidas carnações de
               selim alambreado,  estrelladas de brilhantes  e camapheus,  listradas pelos rocaes de pérolas, cylindrados
               hombros d’uma  brancura  lunar, a claridade magnética d’espaduas riscadas em triângulo pelo  hialus  dos
               corpetes . . E, enquanto a ampla e magnífica luz dos lustres fazia scintiilar as pedrarias, que fustigavam os
               olhos como um granizo de fogo, o jubilo perlava de sons argentinos as frescas boccas femininas, como uma
               mesma corrente pondo em vibração muitas campainhas eleclricas.
                     Um jornal descreveu assim o aspecto das salas: «As innumeraveis luzes de gaz que illuminavam esses
               salões, as ricas toilettes, e as magnificas pedrarias de que ellas faziam valer todo o brilho; os uniformes, as
               insignias das ordens, e os trajes da côrte, de que os mais eminentes personagens, tanto portuguezes como
               estrangeiros, se tinham revestido; os espelhos gigantescos nas molduras douradas, que enchiam os muros
               multiplicando os objectos; os florões do tecto, tão delicadamente desenhados e d’uma douradura admiravel,
               d’onde pendiam tres soberbos lustres; os ornamentos, os vasos de flôres, e a galeria circular, que, pela altura
               da sua cornija, parecia coroar todas estas maravilhas; essa reunião d'objectos seductores dava logar ás mais
               deliciosas sensações, e admirava>se,  ao mesmo tempo,  que  esse palacio de Armida estivesse cheio  dos
               gosos mais reaes e mais palpaveis.








































                     O theatro fôra renovado sob o risco de Fortunato  Lodi, que  lhe fez duas galerias, podendo assim
               comportar seiscentos espectadores, e  que  o tornou  bonito e pimpant como uma toilette  de baile  do século
               XVIII. O pintor Fonseca encarregara-se de pintar as figuras da sala de baile e do theatro; Rambois e Ginalti
               pintaram as decorações da peça com um brilhantismo, que fazia reviver as riquezas dos paços dos antigos
               reis castelhanos; os dourados das cornijas e das molduras dos espelhos foram restaurados, em menos de
               dois mezes, pelo Margotteau e seis aprendizes. A despeza total montou a sessenta contos de réis. Era assim
               a bizarria do homem, que acabava de deixar a sua empreza de S. Carlos com perda de quarenta contos de
               réis, e sem que nunca tivesse manifestado uma só d’aquellas hesitações, que levavam um autocrata russo a
               dizer á Malibran, que lhe pedira sessenta mil francos para cantar:  Os meus marechaes ganham apenas trinta
               mil. Ao que também a espirituosa prima-donna replicara : Sire, faça os cantar!»

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