Page 37 - O Que Faz o Brasil Brasil
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escravos da casa e do eito, escravos educados e sem instrução,
escravos que ficam mais perto ou mais longe dos seus senhores, e isso
engendra uma gradação que atua de modo informal,
contrabalançando a rigidez das categorias jurídicas que tudo
separam entre senhor e escravo — foi certamente muito mais
problemática do que no caso do Brasil.
Porquê?
Primeiro, conforme estou revelando, pela existência da
tradição igualitária, que no universo social anglo-saxão era muito
mais forte que em Portugal ou no Brasil. Noto que foi a Inglaterra que
deu forma moderna à idéia econômica de mercado e de
capitalismo. E com isso veio a prática de equacionar todos como
iguais perante as leis. Foi ali também que variantes radicais do
protestantismo — como o puritanismo e o calvinismo — ganharam
amplo terreno. Isso tudo conduziu a um individualismo radical —
“possessivo”, no dizer de um teórico dessas questões, o cientista
político C. B. Macpherson. Tal ideologia social nega as relações
sociais e, com isso, a presença das redes imperativas de amizade e de
parentesco que sustentavam a chamada moral tradicional; ou seja:
aquela moralidade que afirma a importância do todo (ou da
sociedade) sobre o indivíduo. Dentro dela, a pessoa é importante
porque pertence a uma família e tem compadres e amigos. È a
relação que ajuda a defini-la como ser humano e como entidade
social significativa. Na moralidade individualista moderna, porém,
inaugurada com a Reforma e com a Revolução Industrial, a família e a
sociedade é que eram constituídas de indivíduos, tal como os clubes,
as paróquias e os partidos políticos. Aqui, o indivíduo não é
possuído (ou englobado) por sua família ou por seus pais, confessores
ou patrões. Ao contrário, é dono de si mesmo e pode, em
conseqüência, dispor de sua força de trabalho individualmente num
mercado de homens livres, mercado esse que desvincula
moralmente quem oferece de quem faz o trabalho.