Page 35 - O Que Faz o Brasil Brasil
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positividade da mulata, da mulataria e das categorias intermediárias
em geral foi um jesuíta que, muito acertadamente, equacionou esse
valor altamente positivo, atribuído a tal categoria na nossa
sociedade, ao próprio Paraíso.
Tal associação permite dizer que, no Brasil, ao contrário do que
aconteceu em outros países — e eu penso aqui, sobretudo, nos
Estados Unidos —, não ficamos com uma classificação racial
formalizada em preto e branco (ou talvez, mais precisamente, em
preto ou branco), com aqueles conhecidos refinamentos ideológicos
que, na legislação norte-americana, eram pródigos em descobrir
porções ínfimas daquilo que a lei chamava de “sangue negro” nas
veias de pessoas de cor branca, que assim passavam a ser
consideradas pretas, mesmo que sua fenotipia (ou aparência externa)
fosse inconfundivelmente “branca”. Trata-se, conforme já apontou
um sociólogo brasileiro, Oracy Nogueira, de um tipo de preconceito
racial que considera básicas as “origens” das pessoas, e não
somente a “marca” do tipo racial, como ocorre no caso brasileiro.
Desse modo, o nosso preconceito seria muito mais contextualizado e
sofisticado do que o norte-americano, que é direto e formal. A
conseqüência disso, sabemos bem, é a dificuldade de combater o
nosso preconceito, que em certo sentido tem, pelo fato de ser
variável, enorme e vantajosa invisibilidade. Na realidade, acabamos
por desenvolver o preconceito de ter preconceito, conforme disse
Florestan Fernandes numa frase lapidar.
O fato de existir uma legislação rígida, racista e dualística nos
Estados Unidos — um conjunto de leis que até bem pouco tempo
impediam o movimento de quem era considerado negro em certas
áreas urbanas, escolas, restaurantes, hotéis, bares e muitas outras
instituições sociais — revela esse dualismo claro que indica sem
maiores embaraços quem está dentro ou fora; quem tem direitos e
quem não tem; quem é branco ou é preto! Mas aqui, conforme