Page 31 - O Que Faz o Brasil Brasil
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Saber por que tais teorias tinham esse horror à miscigenação é
conduzir a curiosidade intelectual para um dos pontos-chaves que
distinguem e esclarecem o “racismo à européia” ou “à americana” e
o nosso conhecido, dissimulado e disseminado “racismo à brasileira”.
Tome-se o exemplo mais famoso dessas idéias, o Conde de
Gobineau, que, inclusive, residiu no Rio de Janeiro como cônsul da
França e se tornou amigo e interlocutor intelectual de nosso
Imperador, D. Pedro II. Ele diz claramente, num livro célebre pelas
idéias racistas e pelos erros no que diz respeito à Antropologia das
diferenciações humanas, que é possível dividir as “raças” de acordo
com três critérios fundamentais: o intelecto, as propensões animais e
as manifestações morais. No curso dessa obra, significativamente
intitulada A diversidade moral e intelectual das raças (publicada em
1856), Gobineau, entretanto, não realiza um exercício simplista, no
sentido de dizer que a “raça” branca era superior em tudo. Há
muita inteligência nos preconceitos e nos autoritarismos. Muito ao
contrário, ao comparar, por exemplo, brancos e amarelos no que diz
respeito às suas “propensões animais”, ele situa os primeiros abaixo
dos segundos. Quem não se salva, porém, como infelizmente
acontece até hoje na nossa sociedade, são os negros, sempre e em
tudo situados abaixo de brancos e amarelos.
Mas onde Gobineau realmente excedeu a si mesmo e ousou
com confiança inusitada, mesmo para quem estava imbuído de uma
ideologia autoritária de sua própria superioridade, foi na previsão de
que o Brasil levaria menos de 200 anos para se acabar como povo! Por
quê? Ora, simplesmente porque ele via com seus próprios olhos, e
escrevia revoltado a seus amigos franceses, o quanto a nossa
sociedade permitia a mistura insana de raças. Essa miscigenação e
esse acasalamento é que o certificavam do nosso fim como povo e
como processo biológico. Seu problema, conforme estou revelando,
não era a existência de raças diferentes, desde que essas “raças”