Page 36 - O Que Faz o Brasil Brasil
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sabemos, há uma radicai exclusão de todas as categorias

                  intermediárias, que são absorvidas, com todos os riscos e penalidades,
                  às  duas  categorias principais, em franca oposição e em aberta

                  distinção  Aqui, o mulato não está no paraíso de Antonil, mas no

                  inferno. E os motivos dessa equação são exatamente opostos. É que

                  numa sociedade igualitária e protestante, como são os Estados
                  Unidos, o intermediário representa tudo o que deve ser  excluído da

                  realidade social. Dentro de uma sociedade que tentou eliminar a

                  tradição imemorial das leis implícitas, aquelas que podiam ser

                  aplicadas ou não, que podiam ser  lembradas ou não,  que podiam
                  variar de acordo com quem praticava o crime ou não, o mulato, o

                  intermediário, representava a negação viva de tudo aquilo que a lei

                  estabelecia positivamente.  Ele mostrava o pecado e o perigo da

                  intimidade entre camadas sociais que deveriam permanecer

                  diferenciadas, mesmo que fossem teoricamente consideradas iguais.
                  Além  disso, ele indicava a presença objetiva de uma relação entre

                  camadas que não podiam comunicar-se sexual ou afetivamente.

                  Do mesmo modo que as leis de uma sociedade igualitária e liberal
                  não admitem o “jeitinho” ou o “mais-ou-menos”, as relações entre

                  grupos sociais não podem admitir a intermediação. E o mulato é

                  precisamente essa possibilidade que,  nesses  sistemas,  é  definida

                  como imoralidade. Lá, então, diferentemente daqui, o negativo é

                  aquele que está entre as coisas e as pessoas. O que se busca eliminar
                  é a relação, pois a ênfase da ideologia social e dos valores é sempre

                  no papel do indivíduo como o centro e a razão de ser da sociedade.

                  A igualdade jurídica e constitucional dos membros da sociedade

                  americana forma uma poderosa tradição que chegou àquele país
                  com os Puritanos ingleses e se consolidou nas doutrinas  liberais  que

                  marcaram o nascimento e a expansão da sociedade  americana

                  como nação. Nesse sistema de indivíduos  teoricamente  “iguais”,  a

                  experiência da escravidão e das  hierarquias que ela certamente
                  determina por sua própria natureza enquanto sistema — pois há
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