Page 58 - O Que Faz o Brasil Brasil
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lembrança, pela recordação e pela “saudade”, e se “desconstrói”

                  pelo esquecimento e pelo modo ativo com que consegue deixar de
                  lembrar.

                         No Brasil, como em muitas outras sociedades, o rotineiro é

                  sempre equacionado ao trabalho  ou a tudo aquilo que remete a

                  obrigações e castigos... a tudo que se é obrigado a realizar; ao passo
                  que o extra-ordinário, como o próprio nome indica, evoca tudo que

                  é fora do comum e, exatamente por isso,  pode  ser  inventado  e

                  criado por meio de artifícios e mecanismos.  Cada  um desses  lados

                  permite  “esquecer”  o  outro,  como as duas faces de uma mesma
                  moeda. E, no entanto, os dois fazem parte e constituem expressões

                  ou reflexões de uma  mesma  totalidade, uma mesma coisa. Ou

                  melhor:  tanto  a festa quanto a rotina são modos que a sociedade

                  tem de  exprimir-se, de atualizar-se concretamente, deixando ver a

                  sua “alma” ou o seu coração. Na nossa sociedade, temos grande
                  consciência dessa alternância, de tal modo que a vida, para a

                  maioria de nós, se define sempre pela oscilação entre rotinas e festas,

                  trabalho e feriado, despreocupações e “chateações”, dias felizes e
                  momentos dolorosos, vida e morte, os dias  de  “dureza”  e  “trabalho

                  duro” do mundo “real” e os dias de alegria e fantasia desse “outro

                  lado da vida” constituído pela festa, pelo feriado e pela ausência de

                  trabalho  para  o  outro (o patrão, o Governo, o chefe, o dono do

                  negócio etc). Realmente, na festa, comemos, rimos e vivemos o mito
                  ou utopia da ausência de hierarquia, poder, dinheiro e esforço físico.

                  Aqui, todos se harmonizam por meio de conversas amenas  e,  na

                  construção da festa, a música que congrega e iguala no seu ritmo e

                  na sua melodia é algo absolutamente fundamental no caso brasileiro.
                  No trabalho, porém, estamos martelando  e  construindo,  batendo

                  massa ou “batendo perna” para a companhia, para a família, para

                  a mulher e os filhos, “para a honra da firma” ou de alguma coisa que

                  efetivamente exige o nosso sacrifício. Para nós, brasileiros, a festa é
                  sinônimo de alegria, o trabalho é eufemismo de castigo, dureza, suor.
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