Page 60 - O Que Faz o Brasil Brasil
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tragédias que nos atingem, como catástrofes que colocam em causa

                  nossa capacidade de organização e nossa possibilidade  de
                  sobrevivência como coletividade. Furacões, tempestades, enchentes,

                  terremotos, pestes, inundações e coisas do gênero são situações fora

                  da rotina, mas são situações não-planejadas.  Quando  o mundo  é

                  vivido desse modo, ele deixa de  fazer o sentido comum, dando a
                  impressão de que está  no  fim.  É  a reviravolta do Dia do Juízo,

                  podemos pensar. Mas é preciso acentuar que tais situações também

                  promovem o encontro e a solidariedade entre os homens. De fato,

                  diante da revolta imensa da natureza, todos podem unir-se fora de
                  suas posições sociais  e políticas rotineiras e, assim fazendo, podem

                  encontrar-se como irmãos de infortúnio, ou seres humanos  fazendo

                  face à tremenda indiferença da natureza em relação à sociedade, e

                  não mais como patrões e empregados, ricos e pobres, homens e

                  mulheres, oprimidos e opressores...
                         Ao lado, porém, desses extra-ordinários que são acidentais, que

                  ninguém desejou e que não foram planejados pela sociedade,

                  existem momentos especiais que o próprio grupo planeja, constrói,
                  inventa e espera. Ambos, é claro, constroem  a  memória  da

                  sociedade, mas são os segundos que servem como as verdadeiras

                  roupagens pelas quais a sociedade cria e recria sua identidade social

                  e suas tradições. O momento fora do comum que é planejado e tem

                  tempo  marcado  para  acontecer, portanto, é um espelho muito
                  importante pelo qual a sociedade se vê a si mesma e pode ser vista

                  por quem quer que deseje conhecê-la.

                         Todos os sistemas constroem suas festas de muitos modos. No

                  caso do Brasil, a maior e mais importante,  mais livre e mais criativa,
                  mais irreverente e mais popular de todas é, sem dúvida, o carnaval.

                  Aliás, nessa festa, a própria definição já perturba, pois exclui de modo

                  sistemático todos os elementos que nenhuma festa pode dispensar e

                  que são importantes para o seu próprio desenrolar. Quero referir-me a
                  todos os elementos de ordem, de economia e política que o carnaval
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