Page 65 - O Que Faz o Brasil Brasil
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vistas em público como comuns.
Realmente, se no mundo diário somos governados pelo ditado
e pela lógica social que diz “cada macaco no seu galho” e também
“um lugar pra cada coisa, cada coisa em seu lugar”, no carnaval
criamos um cenário e uma atmosfera social onde tudo isso pode ser
trocado de lugar, invertido e subvertido pelas leis que comandam o
reinado de Momo. Não é por simples acaso que chamamos o
carnaval e a cena carnavalesca de “loucura”! O termo loucura aqui
surge porque, no carnaval, tudo estaria fora de lugar —
carnavalizado, como diz Bakhtin, que introduziu esse conceito no
estudo das manifestações do carnaval europeu para exprimir
intelectualmente suas múltiplas vozes e textos. De fato, no caso do
Brasil, andamos pelas ruas do centro comercial de nossas cidades
com a roupa que queremos e em pleno dia, sem a menor
preocupação de sermos atropelados ou vistos por nossos patrões,
pais ou amigos aristocráticos. Muito pelo contrário, ao sermos vistos,
eles é que correm o risco de serem seduzidos pela nossa investida
carnavalesca. Comemos e bebemos nas ruas, trocando a casa pelo
mundo público e ali realizando ações que são banidas do mundo
social aberto. Dormimos no asfalto, em plena rua: local perigoso e
maldito, com seu cotidiano cruel e movimentado, mas
estranhamente pacífico e seguro no carnaval. Podemos até mesmo
fazer amor com proteção oficial e policial, pois Governo e polícia,
que durante todo o ano nos cobrem de impostos e compostura,
agora nos defendem e compreendem com simpatia o nosso desejo e
a nossa humanidade carnavalesca, ou melhor, protegida pelo
carnaval. No carnaval nós cantamos e nos harmonizamos,
movimentando nossos corpos em ritmos acasalados, em vez de
reclamar, discursar ou escrever. Aqui, a mensagem deixa de ser
importante e o que vale é também o canto pelo canto, a música
pela música, a alegria pela alegria. Como os fogos de artifício que
explodem para o deleite dos olhos, o discurso carnavalesco está