Page 64 - O Que Faz o Brasil Brasil
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fantasia permite a invenção e a troca de posições. Note-se que, no
Brasil, não falamos em máscaras, mas em fantasias. O nosso termo é
mais abrangente em pelo menos dois sentidos muito precisos. Primeiro,
ele diz mais do que algo que serviria apenas para tapar ou disfarçar o
rosto ou o nariz. Depois, porque a palavra “fantasia” tem duplo
sentido. É algo em que se pode pensar acordado, o sonho que se
tem quando a rotina mais nos escraviza e revolta; e também a roupa
que só se usa no carnaval ou para uma situação carnavalizadora.
Assim, ela permite que possamos ser tudo o que queríamos, mas que a
“vida” não permitiu. Com ela — e jamais com o uniforme —,
conseguimos uma espécie de compromisso entre o que realmente
somos e o que gostaríamos de ser. O uniforme achata, ordena e
hierarquiza. A fantasia liberta, des-constrói, abre caminho e promove
a passagem para outros lugares e espaços sociais. Ela permite e
ajuda o livre trânsito das pessoas por dentro de um espaço social que
o mundo cotidiano torna proibitivo com as repressões da hierarquia e
dos preconceitos estabelecidos. Ê a fantasia que permite passar de
ninguém a alguém; de marginal do mercado de trabalho a figura
mitológica de uma história absolutamente essencial para a criação
do momento mágico do carnaval. Se no mundo diário estamos todos
limitados pelo dinheiro que se ganha (ou não se ganha...), pelas leis
da sociedade, do mercado, da casa e da família, no carnaval e na
fantasia temos a possibilidade do disfarce e da liberação. Há a
possibilidade de virar onipotente e ser tudo o que se tem vontade.
Ora, é precisamente por estar vivendo num mundo assim constituído,
onde as regras do mundo diário estão temporariamente de cabeça
para baixo, que posso ganhar e realmente sentir uma incrível
sensação de liberdade. Sensação de liberdade que me parece
fundamental numa sociedade cuja rotina é dominada pelas
hierarquias que sujeitam a todos a uma escala complexa de direitos e
deveres vindos de cima para baixo, dos superiores para os inferiores,
dos “elementos” que entram na fila e das “pessoas” que jamais são