Page 66 - O Que Faz o Brasil Brasil
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também auto-referenciado. Todos podemos, assim, virar poetas. Além

                  disso, o  carnaval obriga a uma  grave sinceridade. Não se pode
                  freqüentar o carnaval sem vontade. De fato, posso ir a uma cerimônia

                  oficial, como uma formatura, posse ou casamento, sem sentir nada,

                  até mesmo achando tudo aquilo  aborrecido e maçante. Mas não

                  posso  fazer o mesmo se  vou a um baile de carnaval, onde corpo e
                  alma devem estar juntos e serei punido se me mostrar “bem-

                  comportado”. No carnaval, nós, brasileiros, cantamos e, geralmente,

                  podemos fazer o que cantamos, o  que permite que as  pessoas  se

                  olhem e, subitamente, se vejam em sua unidade como  “pessoas”  e
                  em sua diversidade como membros de uma  comunidade  social  e

                  politicamente  diferenciada.  O  diverso, o diferente — o universo da

                  individualidade —, que é tão temido na vida diária, é moeda corrente

                  no carnaval, onde todos  podem  surgir como indivíduos e como

                  singularidade, exercendo o direito de interpretar o mundo do seu
                  “jeito” e a seu modo. Igualmente, a crítica social, que pode dar em

                  prisão e censura, é realizada abertamente, tanto quanto a

                  competição, que todos temem como algo monstruoso, mas é
                  também aceita em todos os carnavais brasileiros, feitos de inúmeros

                  concursos. De fato, essa competição é tão aberta que  há

                  competição para tudo: músicas, fantasias, maior capacidade de

                  exibir-se e, naturalmente, a disputa dos blocos e escolas  de  samba,

                  sobretudo no caso do Rio de Janeiro. Aqui, o mundo fica mesmo de
                  cabeça para baixo. Não somente porque as “escolas” são de gente

                  pobre e que vive nos morros e subúrbios do Rio, zonas que

                  congregam  a  massa  dos subempregados locais, mas talvez por

                  estarmos aqui para assistira um monumental concurso público, a uma
                  fantástica  competição onde tanto os jurados oficiais quanto o

                  público  em geral conhecem todas  as regras e todos os meios de

                  perder e vencer. Coisa do outro mundo? Algo extraordinário? Claro

                  que sim. Numa sociedade que jamais vive a si mesma como um jogo
                  ou concurso em que as pessoas podem mudar de lugar pelo próprio
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