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embora deva saber reconhecer.  Desse modo, o espaço religioso

                  demarca uma área onde é possível  encontrar o rico e o pobre, o
                  poderoso e o fraco, o sadio e o aleijado, o homem e a mulher, o

                  adulto e a criança, o santo e o  pecador, o crente fervoroso e o

                  freqüentador esporádico e distante.

                         O patrocínio ou patronagem dos santos e deuses cria essas
                  regiões neutras, mas hierarquicamente ordenadas, onde existe  uma

                  espécie de carnaval devoto ou terra de ninguém, já que  todos

                  podem encontrar-se com todos dentro desse espaço. Mas é preciso

                  acentuar que essa carnavalização (ou troca de lugar) nada tem a ver
                  com excessos ou com a possibilidade de  virar o mundo de cabeça

                  para baixo. Ao contrário, nos ritos da ordem em geral, e nos rituais

                  religiosos em particular, o comportamento é marcado pela contrição

                  e pela solenidade que  se  concretizam nas contenções corporais e

                  verbais. O corpo, então, na Igreja e nas solenidades da ordem é
                  marcado pela rigidez dos gestos  e por formas obrigatórias de

                  gesticulação. São maneiras de marcar a contenção e de promover a

                  uniformidade e a tranqüila obediência dos fiéis ou servidores, já que
                  tudo isso conduz a uma  visão ordenada da própria ocasião formal.

                  Também é possível que tais formas de ritualização  pretendam

                  assegurar o respeito a qualquer preço,  pois a contenção do corpo

                  significa, de certo modo, a liberdade do espírito, que pode ou não

                  estar presente com a mesma convicção  na  solenidade.  Assim,  eu
                  posso estar ajoelhado numa igreja, mas ter meu espírito, muito longe

                  dali, o que no caso de um ritual orgiástico é  impossível, dada a

                  solicitação  em  que o corpo e o espírito estão implicados. De fato,

                  num almoço com os amigos ou num baile de carnaval, não posso
                  deixar de me envolver. A festa carnavalesca requer tudo de mim:

                  meu corpo e minha alma, minha vontade e minha energia. Mas as

                  festas da ordem parecem dispensar essa motivação totalizada. Daí,

                  talvez, essas regras rígidas de contenção corporal, verbal e gestual
                  nos ritos da ordem.
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