Page 74 - O Que Faz o Brasil Brasil
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em geral na forma de uma bela, se não contundente, dramatização
da hierarquia e da autoridade. Daí por que, nas procissões, o povo
força a corda para passar para o lado das autoridades e para perto
do santo. De fato, “pular a corda” ou passar por ela significa, nesse
contexto simbólico, uma mudança significativa de posição social.
Se os ritos da desordem promovem temporárias
desconstruções ou re-arrumações sociais, os ritos da ordem marcam
de forma taxativa quem é ator e quem é espectador. Aqui não há a
menor possibilidade de trocar de lugar, exceto — é claro — pela
quebra do protocolo. E realmente a palavra protocolo revela esse
código rígido que todos devem seguir para que o cerimonial possa
“dar certo”. Ou seja: para que o ritual possa ser um momento
coerente de ordem perfeita e sem aquelas dissonâncias que o
mundo diário é mestre em nos apresentar. É, justamente, esse resgate
da ordem que tais rituais pretendem realizar por meio dessas
dramatizações.
Daí, certamente, a associação entre cerimonial e poder. É que
o ritual reveste o poder, dando-lhe uma forma exterior solene e
legítima. De modo que todos os rituais sempre assumem a forma
básica de um desfile, procissão ou parada militar — formas de
apresentação social desinibida e exuberante, onde as corporações
que passam e se apresentam revelam-se em todo o seu esplendor ou
miséria. No Brasil, significativamente, usamos a palavra desfile para o
caso do carnaval, parada para as comemorações cívicas ligadas à
nossa Independência e procissão para as festividades religiosas. Todas
elas têm sempre um ponto de partida formalizado e preestabelecido
e um ponto de chegada igualmente fixado. Nas procissões, como
nas paradas militares, a partida é um centro físico e social de
autoridade e poder religioso ou militar: uma igreja ou quartel. Seu
roteiro, por outro lado, marca uma área onde se sacraliza um dado
espaço da cidade que, por isso mesmo, acaba se tornando nobre ou