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O poder do sagrado, conforme dizia o sociólogo francês Émile

                  Durkheim, é um poder que permite  distinguir o mundo diário, com
                  suas rotinas automáticas e que tendem a uma  inércia  e  uma

                  indiferenciação cada  vez maiores,  esse  sistema de coisas que eram

                  chamadas de “profanas”, das coisas e do universo de Deus e do Alto.

                  Para separar um dos outros, nada melhor que os sinais de respeito e
                  de contenção física e social: andar na ponta dos pés, falar baixinho,

                  usar uma linguagem diferente — exótica ou morta, como o latim ou o

                  hebraico —, vestir roupas especiais também antigas ou totalmente

                  diferentes dos costumes do mundo diário — roupas que transformam
                  o masculino em algo ambíguo ou o feminino em alguma coisa neutra.

                         A leitura da sociedade facultada pelos ritos da ordem, então, é

                  uma leitura onde o corpo deve ser contido ou até mesmo

                  neutralizado. A continência militar é excelente exemplo disso, pois os

                  ritos da ordem incluem também as grandes comemorações militares,
                  como as paradas — que são formas típicas de comemoração social

                  em que o universo da sociedade é  lido ou apresentado a partir do

                  código do Estado na sua vertente mais forte, mais ordenada e, talvez

                  por isso mesmo, mais patriótica:  a de suas Forças Armadas, que
                  desfilam em saudação formal às autoridades constituídas. De acordo

                  com isso, lembro que a palavra “continência” significa um ato cujo

                  sentido profundo é precisamente  o de conter-se, controlar-se,

                  dominar-se...
                         Tudo isso é salientado com precisão em todos os ritos da ordem

                  — sejam cívicos ou religiosos — onde a idéia de sacrificar o corpo (um

                  centro de  prazer  dado imediatamente  pela experiência  humana)

                  pela pátria, por Deus ou por um partido político acaba se exprimindo

                  pela noção de  dever,  de  devoção  e de  ordem.  O que contrasta
                  tremendamente com os rituais carnavalescos, onde ocorre

                  exatamente o oposto, já que no carnaval os valores salientados são

                  o prazer pelo corpo (daí sua capacidade igualitária e grotesca) e,
                  com isso, a desordem obtida através dele, que conduz a uma radical
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