Page 87 - O Que Faz o Brasil Brasil
P. 87
mais um padrinho. Tal como o padrinho, ele é um mediador entre a lei
e uma pessoa. Do mesmo modo que um patrão deve dar emprego e
boas condições de trabalho a seus empregados, o despachante
deve guiar seus clientes pelos estreitos e perigosos meandros das
repartições oficiais, fazendo com que sigam o caminho certo. Só que
o despachante é um padrinho para baixo. Digo para baixo porque as
classes média e alta do Brasil têm verdadeira aversão a tudo que a
faça sentir-se como pessoa comum, indivíduo sujeito a rejeições e
desagradáveis encontros com autoridades sem o menor traço de
boa vontade. Assim, se não se tem um amigo ou uma relação que
possa imediatamente facultar o “jeitinho”, contrata-se um
despachante, que realiza precisamente essa tarefa.
Por tudo isso, não há no Brasil quem não conheça a
malandragem, que não é só um tipo de ação concreta situada entre
a lei e a plena desonestidade, mas também, e sobretudo, é uma
possibilidade de proceder socialmente, um modo tipicamente
brasileiro de cumprir ordens absurdas, uma forma ou estilo de
conciliar ordens impossíveis de serem cumpridas com situações
específicas, e — também — um modo ambíguo de burlar as leis e as
normas sociais mais gerais.
A possibilidade de agir como malandro se dá em todos os
lugares. Mas há uma área onde certamente ela é privilegiada. Quero
referir-me à região do prazer e da sensualidade, zona onde o
malandro é o concretizador da boêmia e o sujeito especial da boa
vida. Aquela existência que permite desejar o máximo de prazer e
bem-estar, com um mínimo de trabalho e esforço. O malandro,
então, conforme tenho acentuado em meus estudos, é uma
personagem nacional. É um papel social que está à nossa disposição
para ser vivido no momento em que acharmos que a lei pode ser
esquecida ou até mesmo burlada com certa classe ou jeito. No Brasil,
então, podemos ser caxias ou autoritários, como personagens típicos
do mundo das leis e da ordem; podemos ser renunciadores e beatos