Page 88 - O Que Faz o Brasil Brasil
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que querem estar fora deste mundo, quando somos religiosos e
pretendemos fundar um modo de existência paralelo; e podemos
também ser malandros e jeitosos, políticos hábeis e sagazes, quando
não enfrentamos a lei com a sua modificação ou rejeição frontal,
mas apenas a dobramos ou simplesmente passamos por cima dela.
Quer dizer, tal como acontece com o seu modo de andar, o
malandro é aquele que — como todos nós — sempre escolhe ficar
no meio do caminho, juntando, de modo quase sempre humano, a
lei, impessoal e impossível, com a amizade e a relação pessoal, que
dizem que cada homem é um caso e cada caso deve ser tratado de
modo especial.
Mas não ficamos somente nisso. Temos grandes arquétipos da
malandragem, figuras que desenharam como ninguém o papel e o
tipo. Gente como Pedro Malasartes, que foi capaz de realizar uma
série de transformações impossíveis ao homem comum. Assim, ele
superou a exploração econômica e política do seu trabalho,
condenando o fazendeiro que o espoliava. Conseguiu também
transformar a imobilidade da miséria numa venturosa vida de
viajante sem pouso ou casa, situação de onde pode sempre enxergar
tudo e ganhar novas experiências. Pedro Malasartes foi também
capaz de proezas incríveis, como explorar os ricos, vender merda
como se fosse riqueza e levar a honestidade ao meio de pessoas
desonestas. Suas aventuras nos indicam que a vida contém sempre o
bom e o mau, o lado humano e o desumano estando misturados de
modo irremediável em todos e tudo. Assim, Pedro Malasartes, como
todos os malandros, talvez nos diga que é preciso tomar consciência
desses dois lados para poder escolher uma vida humanamente digna.
A malandragem, assim, não é simplesmente uma singularidade
inconseqüente de todos nós, brasileiros. Ou uma revelação de cinismo
e gosto pelo grosseiro e pelo desonesto. É muito mais que isso. De fato,
trata-se mesmo de um modo — jeito ou estilo — profundamente