Page 33 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Diante do código de 2015 é necessário colocar a tutela antecipada em seu devido trilho. Há tutela
antecipada apenas quando a tutela final é prestada antecipadamente. Ou melhor, a tutela antecipada é,
em substância, a tutela final prestada mediante a técnica da antecipação. Bem por isso não há tutela
antecipada quando se pede tutela urgente para obstar o demandado a fazer algo que não poderia ser
feito se já houvesse declaração ou (des)constituição. Frise-se que é possível antecipar, por exemplo,
tutela inibitória, mas a ordem que ordena o demandado a não praticar um ato que não poderia ser
praticado se uma deliberação social já houvesse sido desconstituída não é antecipação da
desconstituição.
Embora a tutela antecipada seja clara quando a sentença final é dependente de execução, isso não
quer dizer que não seja possível, certamente em situações excepcionais, a antecipação da tutela
constitutiva. Lembre-se da fixação provisória do aluguel na ação de revisão do valor da locação. Nesse
caso, a tutela antecipada produz efeitos que operam no plano do direito substancial, estabelecendo
nova situação jurídica, e além disso é possível propor ação de despejo em caso de não pagamento do
valor fixado provisoriamente.
É importante perceber que uma clara distinção teórica entre as tutelas antecipada e cautelar hoje é
algo insuprimível, na medida em que o Código de 2015 não apenas distinguiu em norma (art. 301, CPC)
as duas formas de tutela jurisdicional, como ainda atribuiu a cada uma delas consequências muito
distintas. Lembre-se, por exemplo, que apenas a tutela antecipada pode estabilizar.
Quando se tem claro que a segurança jurídica é indispensável ao Estado de Direito, a doutrina não
pode deixar de precisar os conceitos para evitar decisões desiguais para hipóteses iguais. Na verdade,
é dever da doutrina processual colaborar para evitar divergências interpretativas, uma vez que a sua
função é, acima de tudo, a de propiciar o adequado e uniforme funcionamento do sistema de
distribuição de justiça.
2. Perfil da tutela cautelar
2.1. Conceito
A doutrina clássica afirma que a tutela cautelar se destina a dar efetividade à jurisdição e ao
processo. A ideia de que a tutela cautelar objetiva garantir a efetividade da jurisdição é, de certa
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forma, consequência do conceito que vê na jurisdição apenas a função de dar atuação à vontade da lei.
Ao afirmar que o fim da jurisdição é atuar a vontade da lei e não dar tutela ao direito material, a
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doutrina do final do século XIX e início do século XX pretendeu ficar definitivamente distante da teoria
que confundiu o direito de ação com o direito material. De modo que a necessidade de estabelecer a
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autonomia do direito processual e a finalidade pública do processo conduziu ao abandono da ideia de
que a jurisdição daria tutela aos direitos. 36
Ora, se a função da jurisdição era atuar a vontade da lei, a tutela que se mostrasse necessária para
garantir a efetividade da função jurisdicional obviamente não poderia ser concebida como tutela do
direito ou como tutela a serviço da tutela do direito, mas apenas como tutela voltada a garantir a
efetividade da atuação da vontade da lei.
Pretende-se, com isto, demonstrar que a noção clássica de tutela cautelar é tributária do próprio
conceito de jurisdição da sua época. Se o escopo de tutela dos direitos é esquecido quando se diz que a
jurisdição deve apenas atuar a vontade da lei, é evidente que a doutrina não pode concluir que a
função cautelar almeja a tutela de um direito, mas tem que necessariamente admitir – para ser
coerente com as suas bases ideológicas e jurídicas – que a tutela cautelar tem como razão de ser