Page 32 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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1.8. A zona de penumbra no Código de 1973
Lembre-se que a tutela de urgência é gênero, do qual são espécies a tutela cautelar e a tutela
antecipada. A tutela antecipada é antecipação stricto sensu da tutela perseguida no processo de
conhecimento, mas também foi admitida, no código de 1973, como tutela do direito que depende da
declaração ou da (des)constituição. Lembre-se, por exemplo, da hipótese em que se proíbe a alienação
de um imóvel até a resolução do pedido de desconstituição de deliberação assemblear. Nesse último
caso, por não haver mera desconstituição baseada em probabilidade, inexistia propriamente tutela
antecipada.
Note-se, contudo, que este desvio de rota ocorreu em razão de que, muito embora o art. 273 tenha
admitido requerimento de tutela antecipada no processo de conhecimento, a tutela cautelar só podia
ser postulada mediante ação cautelar. Como o legislador deixou de lado a tutela cautelar, a doutrina e
os tribunais, submetidos ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, deram interpretação
extensiva ao conceito de tutela antecipada, concluindo que seria possível postular, na qualidade de
tutela antecipada, uma prestação que depende da declaração ou da constituição. Caso a interpretação
fosse outra, não seria possível requerer tutela de urgência com tal configuração nas ações declaratória
e constitutiva – a menos que se estivesse pensando em antecipação da constituição ou da declaração. A
tutela só poderia ser postulada mediante ação cautelar ou, mais claramente, só existiria tutela
antecipada nas ações cujas sentenças dependem de execução.
Vale dizer que a opção por um conceito amplo de tutela antecipada – não restrito à antecipação da
tutela do direito prestada mediante sentença condenatória, mandamental e executiva – é uma mera
decorrência da necessidade de se interpretar as regras processuais em conformidade com o direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Isso porque não se pode ignorar que, considerando-se as
ações declaratória e constitutiva, só há real antecipação de tutela quando se admite a suficiência da
declaração ou da constituição com base em cognição sumária, ou seja, a declaração ou a constituição
provisória.
1.9. O significado de tutela cautelar e de tutela antecipada no código de 2015
A tutela antecipada, porém, é satisfativa do direito material, permitindo a sua realização – e não a
sua segurança – mediante cognição sumária. Na verdade, a tutela antecipada tem a mesma substância
da tutela final, com a única diferença de que é lastreada em verossimilhança e, por isto, não fica
acobertada pela imutabilidade inerente à coisa julgada material. A tutela antecipada é a tutela final,
antecipada com base em cognição sumária.
Desse modo, a tutela antecipada não é instrumento de outra tutela ou faz referência a outra tutela.
A tutela antecipada satisfaz o autor, dando-lhe o que almejou ao propor a ação. O autor não quer outra
tutela além daquela obtida antecipadamente, diversamente do que sucede quando pede tutela
cautelar, sempre predestinada a assegurar uma situação dependente da tutela final ou a própria
efetividade da tutela jurisdicional do direito. A tutela antecipada também não aponta para uma
situação substancial diversa daquela tutelada, ao contrário da tutela cautelar, que necessariamente
faz referência a uma situação tutelável ou a uma outra tutela do direito material.
O código de 2015 admite tanto o requerimento de tutela antecipada quanto o requerimento de
tutela cautelar no curso do processo de conhecimento, atribuindo-lhes a característica de tutela
urgente. Assim, não há mais qualquer motivo para, em nome do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva, dar ao conceito de tutela antecipada a mesma abrangência que lhe era dado à luz
do código de 1973, quando se atribuía natureza antecipada à tutela urgente que ordena sob pena de
multa em face dos pedidos declaratório e constitutivo.