Page 28 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Como visto, as novas necessidades de tutela levaram à distorção da tutela cautelar e, mais do que
isso, à ruptura da regra que proibia que a execução antecedesse a cognição.
Na teoria do processo civil liberal, a tutela jurisdicional era basicamente de declaração. A
declaração, que apenas podia ocorrer depois do exaurimento da cognição, é que podia dar atuação à
lei. Porém, no momento histórico em que outras situações de direito substancial passaram a exigir
tutela do direito com base em verossimilhança, torna-se clara a ideia de que a função da jurisdição,
longe de ser a de dar mera atuação à lei, é a de outorgar tutela aos direitos, inclusive aos direitos
fundamentais. Se o Estado passa a ter dever de tutelar os direitos fundamentais, a jurisdição, além de
ter que dar atuação às normas que lhes dão proteção e de suprir a omissão de proteção legislativa a
o
estes direitos, obviamente passa a ter que outorgar tutela jurisdicional efetiva (art. 5 , XXXV, CF) e
o
tempestiva (art. 5 , LXXVIII, CF) a todo e qualquer direito.
Portanto, certamente deixou de existir razão para afirmar que a decisão de verossimilhança não
pode atuar a vontade da lei. A jurisdição, no Estado contemporâneo, exerce função de grande
importância quando, com base em verossimilhança ou mediante liminar, inibe imediatamente a
violação de normas de proteção a direitos fundamentais, como o direito do consumidor e o direito ao
meio ambiente. Há nestes casos prestação indiscutível de tutela inibitória aos direitos, função primeira
do processo civil do Estado constitucional. Há aí, sem qualquer dúvida, tutela jurisdicional dos direitos
mediante verossimilhança e execução. A declaração deixa de ser imprescindível à função
jurisdicional, que, ao contrário, passa a ser cada vez mais execução. 25
É que a função de outorgar tutela aos direitos requer execução, pouco importando a cognição que
lhe dá suporte ou o momento em que a decisão é proferida no processo de conhecimento. Não é por
outra razão, aliás, que o próprio conceito de título executivo judicial passou a ter relação com a
realizabilidade do direito e não com a sua certeza.
É preciso fixar os pontos: i) atualmente, a jurisdição tem função de tutela dos direitos; ii) a tutela
dos direitos não pode suportar o tempo para o exaurimento da cognição; iii) a declaração deixou de
ser pressuposto para a tutela do direito; iv) a tutela do direito, por depender de realizabilidade prática,
tornou a jurisdição mais execução do que declaração. Assim, não há mais qualquer razão teórica para
relacionar tutela jurisdicional com declaração e coisa julgada material, nem para entender que estas
últimas são pressupostos para a execução.
A tutela jurisdicional dos direitos, atualmente, depende tanto de declaração quanto de juízo de
verossimilhança e, mais do que nunca, de execução. Nesta dimensão, torna-se importante recordar o
que disse Vittorio Denti, sabidamente um dos maiores pensadores do processo civil contemporâneo:
“Talvez a propensão, acentuada nos últimos anos, a repensar a função jurisdicional em termos de ‘tutela
dos direitos’, mais do que em um quadro meramente processual, possa enriquecer com novas
perspectivas a nossa pesquisa e conferir uma colocação adequada às exigências de tutelas que
emergem com o desenvolver da sociedade contemporânea”. Significa dizer que, quando se tem em
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conta a “tutela dos direitos”, não importa raciocinar com base nos critérios da declaração ou da coisa
julgada material – isto é, “em um quadro meramente processual” –, até porque deixou de valer a regra
da nulla executio sine titulo. A exigência de formas diferenciadas de tutelas dos direitos, ou seja, a
necessidade de se admitir tutela inibitória, de remoção do ilícito, do adimplemento ou ressarcitória
com base em probabilidade, é que deixa absolutamente clara a distinção entre tutela antecipada – tutela
sumária satisfativa – e tutela cautelar, conferindo “uma colocação adequada” às novas exigências de
tutela.
1.5. O motivo da introdução da tutela antecipada no Código de 1973