Page 26 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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criou-se  um  modelo  de  tutela  mais  avançado  e  eficaz,  com  resultados  de  incisa  aderência  à
                  especificidade  dos  direitos  da  pessoa.   Há  aí  uma  importante  percepção  de  que  a  tutela  cautelar
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                  perdeu a sua original fisionomia para permitir a adequada proteção de direitos que, de outra maneira,
                  não encontrariam adequada tutela jurisdicional.  No mesmo sentido, após lembrar que o art. 700 –
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                  base do poder geral de cautela – do CPC italiano permitiu que os tribunais suprissem a ausência de
                  tutela  jurisdicional  adequada,  o  genial  Vittorio  Denti  advertiu  que  isto  ocorreu  por  ter  surgido  a
                  necessidade  de  uma  “tutela  de  urgência  com  função  não  cautelar,  ou  seja,  não  vinculada
                  instrumentalmente com a tutela que o art. 700 define como ordinária”.  A necessidade de uma tutela
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                  efetiva  dos  direitos  não  patrimoniais  levou  Proto  Pisani  a  insistir  na  oportunidade  de  um
                  procedimento sumário não cautelar,  o que, segundo Denti, superaria “o equívoco que vicia a atual
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                  aplicação  do  art.  700,  submetido  a  exigências  de  tutela  que  não  têm  a  característica  da
                  instrumentalidade, própria das medidas cautelares”. 19

                     Como está claro, a doutrina italiana reconheceu que a técnica cautelar passou a ser utilizada de
                  modo distorcido em razão das necessidades concretas que irradiaram das novas situações de direito
                  substancial.  No Brasil, a ação cautelar inominada também foi utilizada para dar tutela aos direitos da
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                  personalidade,  acabando  por  assumir  a  configuração  de  ação  autônoma  e  satisfativa.  Assim,  por
                  exemplo, foi usada para impedir violação do direito à honra e do direito à imagem. Nestes casos, como
                  se desejava apenas impedir a violação, e não qualquer outra espécie de tutela – como a ressarcitória –,
                  o  procedimento  cautelar  era  suficiente  para  prestar  a  única  tutela  desejada  pelo  autor  ou  para
                  satisfazera  sua  pretensão  à  tutela  jurisdicional  do  direito.  Note-se  que  a  tutela  em  questão  era
                  satisfativa sumária. A tutela, por impedir a violação, satisfazia a necessidade de tutela jurisdicional,
                  uma vez que o autor não queria nada além de inibição da prática do ilícito.

                     Portanto,  não  foi  a  tutela  cautelar  que  se  transformou  em  tutela  inibitória  ou  satisfativa.  O
                  procedimento  instituído  para  a  viabilidade  da  obtenção  da  tutela  cautelar,  por  admitir  liminar  e  a
                  utilização  de  meios  de  execução  adequados,  é  que  foi  utilizado  para  permitir  o  alcance  da  tutela
                  satisfativa. Contudo, como a sentença do procedimento que seria cautelar, quando era de procedência,
                  prestava  a  tutela  inibitória,  e  assim  satisfazia  a  pretensão  à  tutela  jurisdicional  do  direito,  o
                  procedimento que, a princípio, deveria ser seguido pelo procedimento de conhecimento, passou a ter
                  configuração autônoma, fazendo surgir a falsa ideia de “ação cautelar satisfativa”. Frise-se que a ação
                  deixou  de  ser  cautelar  para  atender  à  necessidade  de  tutela  inibitória,  passando  a  ser  satisfativa
                  exatamente  porque  a  tutela  inibitória,  ao  contrário  da  cautelar,  não  é  marcada  pela
                  instrumentalidade.  Assim,  esta  “ação  cautelar  satisfativa”  era,  na  realidade,  uma  ação  de
                  conhecimento.

                     Por outro lado, a tutela que remove os efeitos concretos do ilícito impede, por mera consequência, a
                  produção de danos. Ou seja, a busca e apreensão dos produtos, por exemplo, coloca os consumidores a
                  salvo de eventuais danos. Como a doutrina brasileira jamais fez a distinção entre ilícito e dano, ou
                  soube  demonstrar  a  importância  de  se  ter  em  conta  unicamente  o  ato  contrário  ao  direito  para  a
                  adequada tutela civil dos direitos, a prática forense foi obrigada a encontrar na tutela cautelar, vista
                  como tutela contra a probabilidade do dano, um meio de garantir a tutela das situações substanciais
                  protegidas por normas violadas.

                     Contudo, não é porque a doutrina e a prática forense olharam para o ilícito já ocorrido pensando
                  na probabilidade do dano, que se poderá admitir que a “ação cautelar”, ao ter passado a servir para
                  remover o ilícito, realmente tenha dado outra configuração à “tutela cautelar”. Em face da indistinção
                  entre ato contrário ao direito e dano, ocorreu a distorção do uso da técnica cautelar para permitir o
                  alcance da tutela de remoção do ilícito, ou seja, da tutela satisfativa do direito material. Não obstante,
                  nesta  última  hipótese  a  distorção  não  foi  simplesmente  procedimental  ou  de  técnica  processual.  A
                  tutela de remoção se destina a remover os efeitos concretos de um ilícito já praticado e não a proteger
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