Page 22 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Tutela de Urgência e Tutela da Evidência - Edição 2017
PARTE II - TUTELA DE URGÊNCIA: CAUTELAR E ANTECIPADA
PARTE II - TUTELA DE URGÊNCIA: CAUTELAR E ANTECIPADA
1. A evolução da tutela de urgência: da tutela de segurança à compreensão e ao delineamento das
tutelas cautelar e antecipada
1.1. A tutela cautelar na origem do direito processual civil
O processo civil, à época do Estado de Direito de matriz liberal, não tinha preocupação em dar
tutela preventiva aos direitos. O direito, nesta época, era voltado a proteger as liberdades e as
conquistas da classe burguesa contra a ameaça de arbítrio do Estado. O Estado, para garantir a
liberdade, era obrigado a tratar todos da mesma forma, independentemente das suas diferenças
concretas. Tomava-se em conta o conceito de igualdade formal perante a lei, sendo que qualquer
tratamento desigual – ainda que a posições desiguais – era visto como “privilégio”.
Este Estado, porquanto não podia tratar as posições jurídicas e sociais de forma diferenciada,
obviamente não podia desenhar políticas públicas voltadas a dar proteção específica ou mais incisiva
a determinadas classes de pessoas ou espécies de direitos. Ademais, os direitos desta época eram vistos
como coisas dotadas de valor de troca, de modo que, diante da prática de ato ilícito, entendia-se ser
suficiente a prestação da tutela ressarcitória pelo equivalente ao valor do dano ou da prestação
inadimplida.
De modo que a tutela contra o ilícito era apenas a tutela contra o dano. Lembre-se que a indistinção
entre ilícito e dano é o reflexo de um árduo processo de evolução histórica que acabou por fazer
concluir, a partir da suposição de que o bem juridicamente tutelado é uma coisa dotada de valor de
troca, que a tutela jurisdicional do bem é o ressarcimento pelo equivalente ao valor econômico da
lesão. 1
Além disto, na economia liberal clássica o Estado estava preocupado apenas em manter em
funcionamento os mecanismos de mercado. Ora, a tutela pelo equivalente ao valor da prestação
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mantinha íntegros os mecanismos do mercado, sem alterar a sua lógica. Portanto, há aí um nexo entre
a tutela pelo equivalente e os princípios da abstração das pessoas e dos bens ou, ainda, uma visível
correlação entre o contrato, a igualdade formal dos contratantes e a sanção pelo equivalente como
forma expressiva da realidade da economia de mercado. Se os bens são equivalentes e, assim, não
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merecem tratamento diversificado, a transformação do bem devido em dinheiro está de acordo com a
lógica do sistema, cujo objetivo é apenas sancionar o faltoso, repristinando os mecanismos de
mercado.
O art. 1.142 do Código Napoleão, ao dizer que toda obrigação de fazer e não fazer resolve-se em
perdas e danos mais juros em caso de inadimplemento, não só expressou as preocupações da
economia liberal, como ainda refletiu os princípios de liberdade e de defesa da personalidade,
próprios ao jusnaturalismo e ao racionalismo iluminista. Ou seja, a tutela pelo equivalente, além de
reafirmar as intenções da economia liberal, manteve intacta a “liberdade do homem” ao não admitir a
coercibilidade das obrigações. A coercibilidade das obrigações de fazer, indispensável para o juiz