Page 24 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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não podia constranger a vontade do indivíduo.

                     Lembre-se que o desenho do processo depende do objetivo do direito hegemônico, o que significa
                  que  a  função  e  a  estrutura  do  processo  são  consequências  do  direito  e  dos  valores  de  uma  época.
                  Quando se entende que o bem jurídico jurisdicionalmente tutelável é uma coisa dotada de valor de
                  troca, e que o juiz deve ter os seus poderes limitados para não interferir na esfera jurídica privada, o
                  processo não só não precisa, como não deve exercer função preventiva.

                     Ainda que relacionada com o perigo, a tutela cautelar foi concebida para assegurar a utilidade da
                  tutela jurisdicional final. A tutela cautelar certamente não poderia evitar a violação do direito, uma
                  vez que o processo de conhecimento clássico, a partir dos valores da sua época, não foi estruturado
                  para tanto. Se o processo de conhecimento não tinha como fim evitar a violação do direito, a tutela
                  cautelar  evidentemente  não  poderia  outorgar  proteção  preventiva  aos  direitos,  pois  desta  forma
                  estaria negando a própria função do processo que a deveria acudir.

                     A  tutela  cautelar,  ao  servir  ao  processo,  era  obrigada  a  aceitar  a  ocorrência  da  violação  ou  do
                  inadimplemento, que legitimavam as próprias ações ressarcitória e do adimplemento. Se o processo de
                  conhecimento pressupunha a violação do direito ou o dano ou o inadimplemento, não há como negar que
                  a tutela cautelar foi idealizada para assegurar a tutela jurisdicional posterior à violação do direito. Daí a
                  ideia de tutela cautelar como tutela de segurança e não como tutela de prevenção.

                     1.2. A proibição dos juízos de verossimilhança no processo clássico

                     Lembre-se que o fim da jurisdição, para a doutrina chiovendiana e pós-chiovendiana, era o de dar
                  “atuação à lei”. A impossibilidade de se conceder a tutela do direito com base em verossimilhança ou
                  antes do exaurimento do processo de conhecimento teve por base, além de outras coisas, a suposição
                  de que o único julgamento que poderia “atuar a lei” só poderia ser posterior à verificação da existência
                  do direito.

                     Na trilha do direito liberal, o processo deveria conter somente um julgamento, realizado apenas
                  após  a  elucidação  dos  fatos  componentes  do  litígio.  O  julgamento  posterior  à  cognição  sempre  foi
                  associado à ideia de “busca da verdade”. A “certeza” do juiz seria pressuposto da sua capacidade de
                  “enunciar a lei”.  De  modo  que  a  garantia  de  liberdade  e  de  segurança,  neste  caso,  estariam  em  um
                  julgamento que, a partir da “descoberta da verdade”, atuasse a vontade da lei.

                     Não é de estranhar, assim, que a tutela antecipada seja incompatível com o direito processual do
                  início do século XX. Se o juiz é um mero aplicador da lei, pelo mesmo motivo havia de ser proibido de
                  julgar com base em verossimilhança. Dar ao juiz poder para tutelar um direito aparente é o mesmo
                  que dar ao Judiciário o poder para rever, com base em cognição aprofundada, o julgamento baseado
                  em verossimilhança. Porém, se o sistema processual admite que o juiz pode afirmar que não deveria
                  ter concedido a tutela do direito, há aceitação de que a “justiça” do juiz pode não ser a da lei. 12

                     O  processo  liberal  proibiu  os  juízos  de  verossimilhança  para  permitir  o  controle  do  Judiciário  e
                  para garantir a liberdade dos cidadãos. A vedação desses juízos derivou da falta de confiança no juiz. 13
                  Diante desta desconfiança, foram evidenciadas garantias para a participação adequada no processo,
                  que  passaram  a  significar  garantias  de  liberdade  do  litigante  contra  a  possibilidade  do  arbítrio
                  judicial. Proibiu-se qualquer tipo de restrição à defesa e ao contraditório e, assim, restou inviável a
                  tutela  do  direito  antes  da  plenitude  da  cognição.  Quando  a  preocupação  do  direito  se  centrava  na
                  defesa da liberdade do cidadão diante do Estado, as formas – e assim a rigidez dos conceitos de ampla
                  defesa e de contraditório – possuíam grande importância para o demandado.

                     Perceba-se que a impossibilidade de postecipação da defesa e do contraditório é uma outra versão
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