Page 25 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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da separação entre cognição e execução. Se a ampla defesa e o contraditório não podem ser
postecipados, a execução não pode ser anterior ao término da cognição. Vale dizer que a estrutura do
direito processual, ancorada na separação entre cognição e execução, tem íntima relação com uma
época em que não se podia confiar no Judiciário, quando as formas garantidoras da defesa tinham
outra conotação, de modo a tornar impossível a tutela do direito antes do exaurimento do processo de
conhecimento.
Assim, no processo concebido por Chiovenda e que foi desenvolvido pela doutrina que lhe seguiu,
não há sequer como imaginar tutela do direito – e, portanto, execução – na pendência do processo de
conhecimento. Isso seria um atentado contra os valores que fundaram a fórmula técnico-jurídica da
nulla executio sine titulo.
1.3. O problema da demora do processo e as novas situações jurídicas carentes de tutela
A transformação da sociedade e do Estado fez surgir novas situações substanciais carentes de
tutela. A necessidade de maior celeridade de tutela dos direitos, advinda das características dos “novos
direitos” e das relações jurídicas próprias à sociedade contemporânea, colocaram em xeque o processo
civil clássico, evidenciando a imprescindibilidade da adaptação do sistema de distribuição de justiça à
evolução da sociedade.
Porém, a falta de idoneidade do processo civil para atender às novas situações não impediu a
prática forense de utilizar a tutela cautelar inominada como técnica de sumarização do processo de
conhecimento. Como o procedimento cautelar viabilizava a concessão de liminar, assim como o uso de
meios executivos adequados às diferentes situações concretas, a prática forense brasileira assistiu ao
uso não cautelar da ação cautelar.
Essa distorção do uso da ação cautelar consistiu na invocação do procedimento cautelar para
atender aquilo que poderia e deveria ser tutelado pelo processo de conhecimento – desde que este
tivesse as particularidades técnicas do procedimento cautelar, especialmente a técnica antecipatória
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e a possibilidade de uso de meios executivos capazes de imediatamente realizar o direito ou
constranger a vontade da parte. Tal fenômeno não ocorreu somente no Brasil, mas em todos os países
em que o modelo básico de processo de conhecimento esgotou a sua funcionalidade. A própria prática
italiana, ainda que sem romper a classificação trinária das sentenças, foi obrigada a admitir a tutela
inibitória (satisfativa sumária) sob o rótulo de cautelar diante da ação declaratória. Na Itália, sem se
admitir sentença genérica que ordena sob pena de multa e, portanto, uma sentença realmente capaz
de inibir, aceitou-se a possibilidade de concessão de provimento incidental à ação declaratória – com o
nome de cautelar – para constranger o demandado a não fazer, ou melhor, para inibir a violação de
um direito.
Lembre-se que, antes da violação do direito, a única alternativa, em face das três sentenças de
conhecimento clássicas, seria a ação declaratória. Porém, como o procedimento desta ação não contém
técnica antecipatória e a sentença declaratória não possui idoneidade para impedir a prática do ilícito,
surgiu naturalmente, para viabilizar a tutela inibitória das novas situações carentes de tutela, a
possibilidade do emprego da técnica cautelar inominada para outorgar tutela inibitória em face da
ação declaratória.
A melhor doutrina italiana foi expressa em advertir que, neste caso, ocorreu uma distorção da
fisionomia original da tutela cautelar, já que o emprego da técnica cautelar para a obtenção da tutela
inibitória fez desaparecer a principal característica da tutela cautelar, isto é, a instrumentalidade.
Loriana Zanuttigh, ao escrever sobre o uso da cautelar inominada na tutela dos direitos da pessoa,
consignou que, graças à progressiva alteração da estrutura e da função da tutela cautelar inominada,