Page 6 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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2017 - 05 - 24
                Tutela de Urgência e Tutela da Evidência - Edição 2017
                PARTE I - TÉCNICA PROCESSUAL E TUTELA DOS DIREITOS





                   PARTE I - TÉCNICA PROCESSUAL E TUTELA DOS DIREITOS



                  1. Do processo neutro ao processo adequado à tutela dos direitos

                     A necessidade de isolamento do direito processual em face do direito material, levou a doutrina a
                  afastar das suas preocupações a principal finalidade da jurisdição: a tutela dos direitos.

                     A escola processual italiana do início do século XX teve o grande mérito de reconstruir o processo
                  a  partir  de  bases  publicistas,  mas  iniciou  a  história  que  permitiu  ao  processo  se  afastar
                  perigosamente  dos  seus  compromissos  com  o  direito  material.  A  ação  abstrata,  preocupada  –  de
                  maneira  excessiva  –  em  se  despir  de  toda  e  qualquer  mancha  de  direito  material,  não  se  ligou  a
                  qualquer forma processual que pudesse indicar uma relação do processo com as necessidades do
                  direito  material.  A  escola  italiana  clássica  não  só  negou  à  ação  qualquer  vínculo  com  um
                  procedimento  que  pudesse  apontar  para  as  necessidades  do  direito  material,  como  também
                  organizou as formas processuais que necessariamente deveriam estar ao redor da ação a partir de
                  critérios unicamente processuais.

                     Seguindo a lógica da “neutralidade” em relação ao direito material, que já caracterizava a ação –
                  posta  no  centro  do  sistema  processual  –,  os  processualistas  imaginaram  que  deveriam  criar  um
                  universo  de  sentenças  igualmente  abstrato.  Tal  lógica  supunha  que  a  resposta  jurisdicional  ao
                  direito de ação também deveria ser isenta em relação ao plano do direito material. Por essa razão, as
                  sentenças obviamente não foram vistas como tutela aos direitos, ou como instrumentos capazes de
                  propiciar a tutela dos direitos, mas apenas como provimentos de fecho do processo.
                     Pensou-se  que  o  processo  poderia  existir  sem  qualquer  compromisso  com  o  direito  material  e
                  com a realidade social. Porém, como não é difícil constatar, houve uma lamentável confusão entre
                  autonomia científica, instrumentalidade do processo e neutralidade do processo em relação ao direito
                  material.  Se  o  direito  processual  é  cientificamente  autônomo  e  o  processo  possui  natureza
                  instrumental,  isto  está  muito  longe  de  significar  que  ele  possa  ser  neutro  em  relação  ao  direito
                  material e à realidade da vida. Aliás, justamente por ser instrumento é que o processo deve estar
                  atento às necessidades dos direitos. 1

                     O mais grave é que a pretendida indiferença do processo em relação ao direito material faz com
                  que o sistema jurídico, que obviamente depende do processo para que as normas sejam atuadas e os
                  direitos  sejam  efetivados,  não  tenha  a  possibilidade  de  atender  às  necessidades  reveladas  pelo
                  direito material. Ora, os institutos do processo dependem da estrutura não apenas das normas que
                  instituem direitos, mas também das formas de proteção ou de tutela que o próprio direito substancial
                  lhes confere.

                     No Estado constitucional, pretender que o processo seja neutro em relação ao direito material é o
                  mesmo que lhe negar qualquer valor. Isso porque ser indiferente ao que ocorre no plano do direito
                  material  é  ser  incapaz  de  atender  às  necessidades  de  proteção  ou  de  tutela  reveladas  pelos  novos
                  direitos e, especialmente, pelos direitos fundamentais.
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