Page 7 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
P. 7

Portanto,  outorgar  à  jurisdição  o  escopo  de  tutela  dos  direitos  é  imprescindível  para  dar
                  efetividade aos direitos fundamentais, inclusive ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
                  Como é óbvio, esta forma de conceber a função jurisdicional faz com que a ação neutra (única) perca
                  sustentação,  já  que  essa  ação  é  completamente  incapaz  de  atentar  para  o  papel  que  o  direito
                  hegemônico desenvolve diante da sociedade e do Estado.

                  2. O escopo de tutela dos direitos

                     É preciso advertir que, além da tutela jurisdicional, os direitos encontram outras formas de tutela
                  ou proteção por parte do Estado. Lembre-se que os direitos fundamentais, quando enquadrados em
                  uma dimensão multifuncional, exigem prestações de proteção. Isso quer dizer, em poucas palavras,
                  que os direitos fundamentais fazem surgir ao Estado o dever de protegê-los. Ora, essa proteção ou
                  tutela devida pelo Estado certamente não se resume à tutela jurisdicional.

                     O Estado, antes de tudo, tem o dever de proteger os direitos fundamentais mediante normas de
                  direito. É o que ocorre, por exemplo, quando se pensa na legislação de proteção ao meio ambiente. A
                  norma que proíbe a construção em determinado local e a norma que proíbe o despejo de lixo tóxico
                  em  certo  lugar  constituem  normas  de  proteção  ou  de  tutela  do  direito  fundamental  ao  meio
                  ambiente sadio.

                     Embora o Estado tenha o dever de proteger os direitos fundamentais, o art. 5.º, XXXII, da CF não
                  se limitou a dizer que o direito do consumidor é um direito fundamental. Ele disse que “o Estado
                  promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, deixando expresso que o Estado tem o dever
                  de proteger, mediante normas, o consumidor. Trata-se de um dever de proteção ou de tutela que
                  chamamos de dever de “tutela normativa dos direitos”.

                     Porém,  como  a  edição  da  norma  não  basta,  o  Estado  também  tem  o  dever  de  fiscalizar  o  seu
                  cumprimento,  impor  a  sua  observância,  remover  os  efeitos  concretos  derivados  da  sua
                  inobservância,  além  de  sancionar  o  particular  que  a  descumpriu.  Recorde-se  das  atividades  dos
                  fiscais da saúde pública e dos direitos do consumidor e da figura do guarda florestal. Temos, nesse
                  caso, evidente proteção fática ou tutela administrativa.

                     Quando o administrador, em processo administrativo, decide que houve infração a uma norma
                  de  proteção,  o  seu  dever  passa  a  ser  –  quando  não  lhe  restar  apenas  o  mero  sancionamento  do
                  particular  pela  conduta  reprovada  –  o  de  fazer  valer  o  desejo  da  norma,  seja  no  caso  de  ato
                  comissivo ou de ato omissivo. Assim, por exemplo, nas hipóteses em que o administrador determina
                  a paralisação da construção de obra, a instalação de determinado equipamento antipoluente ou a
                  retirada de remédio ou produto nocivo do mercado. Nessas situações, a proteção dada pela norma é
                  mais  uma  vez  afirmada  pelo  administrador.  Também  não  se  pode  negar  que,  mesmo  quando  o
                  administrador impõe multa ao particular, ele presta tutela ou proteção ao direito fundamental.

                     No  caso  em  que  o  legislador  se  omite  diante  do  seu  dever  de  proteção  normativa,  o  juiz  deve
                  supri-la, admitindo a incidência direta do direito fundamental sobre o caso conflitivo.  A questão da
                                                                                              2
                  incidência  direta  do  direito  fundamental  sobre  os  particulares  é  uma  das  mais  tormentosas  da
                  atualidade.   Porém,  não  é  preciso  pensar  em  incidência  direta  do  direito  fundamental  sobre  os
                            3
                  particulares quando se dá ao juiz o poder de suprir a omissão do dever de proteção do legislador,
                  uma vez que, nesse caso, o direito fundamental estará incidindo sobre o sujeito privado mediante a
                  participação  da  jurisdição,  e  assim  a  sua  incidência  estará  sendo  mediatizada  pelo  Estado.  Nessa
                  situação, a tutela normativa estará sendo substituída pela tutela jurisdicional.
   2   3   4   5   6   7   8   9   10   11   12