Page 11 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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procedimentos de cognição parcial, o juiz fica impedido de conhecer as questões reservadas, ou seja,
as questões excluídas pelo legislador para dar conteúdo a outra demanda. É o caso das ações
possessórias e das ações cambiárias. 12
A técnica da cognição parcial pode operar de dois modos: fixando o objeto litigioso ou
estabelecendo os lindes da defesa (quando podemos lembrar a busca e apreensão do Decreto-lei
911/69). 13
Tal técnica não pode ser compreendida a não ser a partir do plano do direito material; através
desta perspectiva, aliás, é possível a investigação do conteúdo ideológico dos procedimentos. Para
que se possa compreender a relação entre a cognição parcial e a ideologia dos procedimentos, cabe
observar que o procedimento de cognição parcial privilegia os valores certeza e celeridade, ao
permitir o surgimento de uma sentença com força de coisa julgada material em um tempo inferior
àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa,mas deixa de lado o
valor “justiça material”. O que se deve verificar, portanto, em cada hipótese específica, é a quem
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interessa a limitação da cognição no sentido horizontal, ou, em outros termos, a tutela jurisdicional
célere e imunizada pela coisa julgada material em detrimento da cognição das exceções
reservadas. 15
Veja-se, por exemplo, o caso da busca e apreensão do Decreto-lei 911/69. Esse Decreto-lei – que
“estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária”–, antes de sua recente alteração pela Lei
10.931/2004, afirmava que o réu, na contestação, só poderia “alegar o pagamento do débito vencido
ou o cumprimento das obrigações contratuais” (art. 3.º, § 2.º). Essa norma, ao limitar a defesa para
imprimir maior celeridade ao procedimento, outorgava um benefício ao autor proibindo o réu de
discutir as cláusulas do contrato ou eliminando o seu direito de convencer o juiz de que não era
inadimplente. Tratava-se de restrição à defesa que não tinha qualquer justificativa, uma vez que,
para conferir uma justiça mais rápida ao credor, admitia que o devedor fosse privado do seu bem
sem sequer ter a possibilidade de discutir as cláusulas contratuais.
Todos os parágrafos do art. 3.º, inclusive o mencionado § 2.º, foram suprimidos pela Lei
10.931/2004, que acrescentou, entre outros, o seguinte parágrafo ao art. 3.º: “O devedor fiduciante
apresentará resposta no prazo de 15 (quinze) dias da execução da liminar”. Esse parágrafo não faz
qualquer restrição ao direito de defesa. Assim, a ilegítima restrição que antes era feita ao direito do
devedor discutir as cláusulas contratuais não mais existe.
Não obstante, permanece a ideia conservada no caput do art. 3.º do Decreto-lei 911/69 (não
alterado pela Lei 10.931/2004) de que basta a comprovação da mora ou do inadimplemento do
devedor para a concessão liminar da busca e apreensão. O Decreto-lei 911/69, além de permanecer
admitindo que a mora ou o inadimplemento são suficientes para a tomada forçada do bem do
devedor, agora tem o seguinte requinte introduzido pela Lei 10.931/2004 no § 1.º do art. 3.º: “Cinco
dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena
e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando
for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro
por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária”.
Permitir, em razão de simples mora ou inadimplemento, a retirada forçada do bem do devedor e
a consolidação da propriedade e da “posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor
fiduciário” é viabilizar, ainda que mediante a força estatal, uma agressão ilegítima à esfera jurídica
do devedor. Isso porque o mero inadimplemento não pode servir de justificativa para tudo isso, pois
o não pagamento, como é óbvio, pode ter fundamento. Aliás, a busca e apreensão liminar, mesmo que