Page 14 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
P. 14
apenas para declarar que o direito afirmado existe. Prova-se a afirmação de fato para que se declare
que o direito afirmado existe. Acentue-se que a sentença de cognição exauriente limita-se a declarar
a verdade de um enunciado, isto é, que a afirmação de que o direito existe é verdadeira de acordo
com as provas produzidas e o juízo de compreensão do juiz. Em outras palavras, o direito que o
processo afirma existir pode, no plano substancial, não existir e vice-versa. Não se prova que o
direito existe, mas sim que a afirmação de que o direito existe é verdadeira, declarando-se a existência
do direito (coisa julgada material).
No mandado de segurança, a afirmação de existência do direito deve ser provada desde logo, ou
melhor, mediante prova documental anexa à petição inicial. Dessa forma, não se pode aceitar a
18
conclusão de Buzaid no sentido de que o direito líquido e certo pertence à categoria do direito
material. Trata-se, isto sim, de conceito nitidamente processual, que serve, inclusive, para a melhor
19
compreensão do processo modelado através da técnica da cognição exauriente secundum eventum
probationis.
A prática apresenta o caso em que o impetrante do mandado de segurança procura demonstrar a
existência do “direito líquido e certo” através de prova testemunhal ou pericial realizada
antecipadamente. Entretanto, o direito líquido e certo não pode ser demonstrado através dessas
provas, não apenas porque tais provas não constituem prova documental (porém apenas prova
documentada), mas especialmente porque se a prova testemunhal for admitida como suficiente para
a demonstração de “direito líquido e certo” ocorrerá lesão ao direito de defesa, à medida que o réu
não tem oportunidade de produzir prova para contrapor à prova antecipadamente realizada pelo
autor, pois só pode se valer de prova documental. Note-se que garantir participação na formação da
prova (pericial ou testemunhal) nada tem a ver com o direito de produzir prova. Assim, são
completamente destoantes dos princípios as decisões que admitem mandado de segurança com base
em “produção antecipada de prova”. Talvez o equívoco na admissão de prova antecipada em
mandado de segurança seja derivado da falta de definição dos conceitos de “prova documentada” e
“prova documental”, o que é reflexo do esquecimento da lição de Bobbio, no sentido de que dar a
cada coisa o seu nome não é mera preocupação formalista, porém necessidade para a construção de
uma ciência. 20
Por outro lado, afirma-se que “não se pode admitir que o impetrante ingresse em juízo para fazer,
no curso sumaríssimo do mandado de segurança, em que não há dilação, a prova das suas alegações;
esta deve ser, aqui, sempre, prova pré-constituída e documental. A prova há de ser documental e os
documentos comprobatórios do fato não podem padecer de dúvida. Se fossem impugnados de falsos,
não seria possível a instauração do incidente de falsidade. Nesse caso não se poderia falar mais em
direito líquido e certo”. 21
Na realidade, no caso de o documento ser apontado como falso, é possível pensar: (a) na
impossibilidade de o juiz apreciar o mérito, por ausência de direito líquido e certo; (b) na
possibilidade de o juiz desconsiderar a alegação da autoridade coatora e julgar o mérito; e (c) na
admissão da produção de prova tendente à demonstração da existência da falsidade. 22
A primeira alternativa não merece maiores considerações. Ora, se bastasse a autoridade coatora
afirmar a falsidade do documento para o juiz estar impedido de julgar o mérito, estaria aberto o
caminho para a inefetividade do mandado de segurança. Seria lícito, no entanto, admitir a
possibilidade de uma eventual “injustiça” para a preservação da efetividade da via do mandado de
segurança, já que a sentença fundada em prova falsa pode ser objeto de ação rescisória? Alguém
poderia supor, de fato, que o caso seria de reserva de exceção, ou seja, que a arguição da falsidade
somente poderia ser feita em ação inversa subsequente, precisamente a ação rescisória. Perceba-se,