Page 16 - LICENCIAMENTO E COMPENSAÇÃO AMBIENTAL NA LEI DO SISTEMA NACIONAL DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (SNUC)
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“Já falei de um pedacinho de terra que tenho na Mantiqueira. Muita coisa bo-
                    nita, do jeito mesmo que a natureza fez, sem o auxílio do homem: um regato de
                    água cristalina que desce do alto da serra, por entre pedras, samambaias, avencas,
                    brincos-de-princesa, formando cachoeiras e remansos gelados. Campos nos quais as
                    flores agrestes brotam onde querem. E enormes pinheiros do Paraná, araucárias, de
                    casca rugosa onde crescem bromélias. Ali a gente sente a solidariedade entre a beleza
                    e a vida. O que é vivo é belo, o que é belo é bom para a vida.
                        Há também um morro de terra ruim, tão ruim que até o capim protesta. Olhei
                    para ela, a terra, e pensei em dar uma mãozinha. Seria bonito se aquele cerrado um
                    dia se transformasse numa mata de araucárias. E comecei a sonhar.
                        Como pouco entendo dessas coisas, tratei de consultar as pessoas entendidas do
                    lugar. Não aprovaram. As araucárias levam muito tempo para crescer. Era provável
                    que eu nem mesmo vivesse o bastante para vê-las crescidas. E mesmo que eu as visse
                    crescidas, não poderia cortá-las. As araucárias são protegidas pela lei. Cortar uma
                    dessas árvores é crime. Assim, todo o meu trabalho e a minha espera resultariam
                    em nada. Pois é sabido que só se planta uma árvore para cortá-la depois. Somente
                    uma árvore cortada pode ser vendida. Somente as árvores cortadas se transformam
                    em dinheiro. Negócio mais lucrativo é plantar eucaliptos: crescem rápido e dão três
                    cortes. Um eucalipto plantado é melhor que dinheiro no banco.
                        Percebi que não me entenderam. Por isso não disse nada. Morávamos em mun-
                    dos diferentes. Eu era um ser da floresta, ser sem pressa, onde o tempo passa deva-
                    gar. Tem de ser assim, porque a vida é vagarosa.
                        Veja o caso das sequoias, árvores que levam mil anos para crescer. É certo que
                    a natureza não pensou no mesquinho tempo dos homens, ao fazê-las brotar. Ela só
                    deve ter tido sonhos de beleza distante – tão distante que só apareceria em sua plena
                    exuberância depois que tudo o que estava vivo naquele momento tivesse morrido.
                    A vida não tem lugar para utilidade rápida. Se os seus pensamentos fossem curtos
                    como os nossos, não haveria sequoias, por demorarem demais para crescer, nem
                    avencas, samambaias, musgos, bromélias, flores do campo, borboletas e beija-flores,
                    por serem inúteis. Não circulam pelo mundo dos bancos e dos bons negócios. Então,
                    servem para quê? Para nada. Só para existir do jeito como são, espetáculo colorido
                    e perfumado para um corpo que se sente feliz só de ver e cheirar.
                        Mas os meus conselheiros pensavam pensamentos aprendidos do dinheiro e do
                    lucro que, segundo se diz, é de onde a salvação há de vir. O mundo será salvo quando
                    as coisas vivas se transformarem em dinheiro – como as árvores cortadas.
                        Assim funciona a cabeça dos ativos empresários. E não estou me referindo a
                    vilões e corruptos. Refiro-me àqueles que pensam com a imaginação dos negociantes
                    japoneses e com o rigor comercial dos banqueiros suíços... No seu mundo de negócios
                    não há lugar nem para a beleza inútil nem para o tempo lento da vida. Tudo deve
                    ser transformado em lucro. Essa é a razão por que um eucalipto a ser cortado em três
                    anos é infinitamente mais importante que uma araucária a não ser cortada daqui
                    a cinquenta anos.






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            Livro 1.indb   xv
            Livro 1.indb   xv                                                                 25/9/2009   10:25:18
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