Page 107 - ASAS PARA O BRASIL
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As  correntes  marítimas  o  tinham  feito  derivar  durante  três  dias  em
                  direção ao nosso litoral, sem protetor solar, na umidade e no frio.

                       Na  saída  do  hospital,  após  tê-lo  reconfortado,  ficamos  diante  da
                  imprensa e da polícia que já estava lá e tive que contar-lhes a triste história

                  deste sobrevivente.

                  Como ele era menor de idade – 17 anos – a polícia não sabia o que fazer e
                  estava  bem  constrangida.  Naquela  época  os  refugiados  eram  raríssimos
                  principalmente nesta região perdida.


                  Sendo  o  único  capaz  de  comunicar-se  com  ele,  a  justiça  e  a  polícia  me
                  pediram  para  eu  cuidar  dele  durante  seis  meses  até  que  atingisse  a
                  maioridade.

                  Após uma conversa com a minha família, aceitamos ficar com ele apesar de
                  certa desconfiança já que não sabíamos nada sobre o seu passado.


                  Vários veículos de imprensa queriam conhecer sua história e as televisões
                  o disputavam; ele apareceu na televisão local.

                  Ele contou que se sentia ameaçado por muçulmanos, que tinha fugido a pé
                  da Nigéria e atravessado três países durante um ano (Benin, Togo e Gana)
                  até chegar à Costa do Marfim onde embarcou clandestinamente no navio

                  tailandês.

                  O ensinamos a nadar, um professor lhe ensinou rudimentos de português;
                  ele era louco por futebol. Um ano após sua chegada, ele foi adotado por
                  uma  família  de  Minas  Gerais;  nunca  mais  tivemos  notícias  suas  e
                  esperamos que esteja feliz.


                  Durante a sua estadia, ele nos contou os sofrimentos pelos quais passam os
                  migrantes  clandestinos.  Um  de  seus  camaradas  foi  encontrado  morto,
                  intoxicado  após  a pulverização de pesticidas no porão de  um navio  que
                  transportava abacaxis.

                  Um dia, um oficial de justiça nos  entregou uma convocação ao tribunal

                  sobre o caso do Jack- o – náufrago.

                   Uma jovem juíza muito elegante e um advogado que supostamente falava
                  inglês interrogou o Jack sobre suas novas condições de vida. Em seguida,
                  soubemos o verdadeiro motivo da nossa convocação: era uma denúncia.
                  Fomos acusados de ter feito o Jack dançar numa festa de Natal na praia
                  perto de Batoque, com fins lucrativos.
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