Page 30 - Nos_os_bichos
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Tiveram de tomar uma decisão, embora não fosse consensual: um assalto à casa da ração e ao
computador da distribuição da água e da abertura das comportas para os charcos.
O plano era meio louco, mas era o único que havia, por isso decidiram que tudo tinha que ser muito bem
preparado, nada podia falhar. Estava em jogo a vida de cerca de dez espécies diferentes, por isso, avançaram.
Cada um dos animais sabia a sua função. Os pintainhos e as galinhas vigiavam o perímetro terrestre; os porcos
faziam de autocarro; os cavalos estavam nos comandos das operações; os pássaros patrulhavam pelo ar,
ajudando os pintainhos e as galinhas; os patos eram os engenheiros informáticos; os coelhos e as vacas iam
tratar da distribuição da ração; os perus, as rãs, as cabras e o resto dos animais estavam a postos para
receberem informação e executarem um plano de emergência.
Depois de todos os procedimentos, concluíram a missão e conseguiram fazer o que tanto desejavam:
alimentaram-se devidamente e melhoraram a sua condição física, ficando assim aptos para produzir ao máximo.
Para além disso, decidiram alimentar-se, o mais possível, dos recursos da natureza, reduzindo, a prazo, o
consumo de ração.
Apesar de tudo, a chegada do agricultor era previsível. Na manhã seguinte, com ar adoentado, ele
chegou. Reparou, de imediato, que algo tinha acontecido: notou a falta de alguma ração e viu que as comportas
de água estavam totalmente abertas.
Confuso e preocupado, foi logo a correr para os seus campos e viu que todos os animais estavam
contentes, com água e comida em abundância. Todos os indicadores diziam que a produção estava no máximo
dos últimos cinco anos, o que era uma excelente notícia. O que teria acontecido?, pensava, mas não havia
tempo para mais interrupções, tinha que aumentar a produção mais e mais...
A partir desse momento, o agricultor, dominado pela ganância e pela ambição, não largou mais a quinta
e intensificou todos os processos de criação de gado e de produção de carne, alimentando os animais sem regra
e sem horário, intensivamente, sem lhes dar tempo para dormirem ou para voltarem a ter fome.
Este período de paz, como era previsível, durou pouco tempo. Passado pouco tempo, os animais
começaram a morrer por obesidade e problemas diversos, devido à desmedida ambição do agricultor.
Perante esta situação, os restantes animais viraram-se contra o agricultor, iniciando uma “política” muito
interessante: destruíram todo o sistema que estava a levá-los à sobrenutrição, arrancaram os comedouros
modernos, as misturas de compostos químicos que eram introduzidos na água para aumentar o fluxo sanguíneo
e os esteroides no corpo dos animais e toda e qualquer maquinaria artificial que lhes prejudicasse a saúde.
Decidiram também que, a partir desse dia, comeriam daquilo que a natureza lhes desse.
Foi assim que arruinaram a vida ao agricultor, tendo este acabado por abandonar a quinta de forma
definitiva.
Foi assim também que os animais passaram a viver em conformidade com a natureza e com os seus
princípios.
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