Page 78 - Nos_os_bichos
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Estava entretida nestes e noutros pensamentos solitários, quando, de repente, ouviu um barulho de algo
                  maior a pousar perto do seu túnel. Percebia-se que tinham começado a escavar, até que encontraram a formiga.
                  Aterrorizada, a formiga disse:
                        -Que é isto?

                        -Bom dia, muito prazer.- Falou um de cinco gafanhotos, que olhavam para ela com ar guloso.
                        -Que querem vocês?
                        -Sabes bem que nós queremos a tua comida! -disse o gafanhoto, grosseiramente.- E vamos levá-la.
                        -Não. – Disse com convicção a formiga.

                        -Não? Achas que és tu sozinha que nos vais impedir?
                        -Pelo menos, deixem-me alguma para eu comer. – suplicou a formiga.
                        -Achas que deixamos? Tens muita sorte, se não te comermos também a ti – disse o gafanhoto com
                  ironia.

                        Os gafanhotos levaram toda a comida da formiga, tendo-a deixado encolhida, num canto a soluçar. Nem
                  uma migalha sobrou. Como sobreviveria?
                        Em pânico, desesperada, como já estava a anoitecer, deixou-se estar ali, infeliz e a gemer durante toda
                  a noite.

                        No dia seguinte, a formiga, infeliz, partiu à procura de mantimentos, mas não era fácil, pois estava mesmo
                  muito frio.
                        Desnorteada, com frio, com fome e sozinha, a formiga foi encontrada pela cigarra.
                        -Tens fome, queres ajuda? – perguntou-lhe a cigarra.

                        -Sim, por favor. – suplicou a formiguinha, desesperada.
                        -Anda comigo, eu tenho comida.
                        E lá foram as duas.
                        A cigarra tratou da formiga, que, depois, lhe disse:

                        -Cigarra, obrigada! Foste muito simpática, não foste como eu. Peço imensa desculpa pelo que te fiz.
                        -Não faz mal, eu perdoo-te.
                        -Eu não quero estar a incomodar mais, vou-me embora. – disse a formiga.
                        -Mas não tens comida e, com a neve, já tens o teu túnel enterrado.

                        -Tu não te importas que eu fique? – perguntou a formiga, admirada.
                        -Não, assim até tenho companhia. – respondeu a cigarra, que não era dada a rancores.
                        E foi assim que a formiga ficou com a cigarra, até ao final do inverno.
                        O que aconteceria, de seguida? Ninguém sabe. Talvez a formiga tivesse aprendido a lição e percebesse

                  que o lugar das formigas é na sua colónia, a tratar do seu formigueiro, junto das suas companheiras.  Na
                  primavera decidiria.
                                                                                             Marta Antunes







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