Page 45 - A CAPITAL FEDERAL
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Lourenço – ora deixe-se de partes! Se a senhora não se quisesse sujeitar a estas cenas,
                         solveria os seus compromissos! Mas não passa, já disse, de uma reles caloteira!...
                  Eusébio – Home, o sinhô arrepare que eu tou aqui! Faça favô de vê como fala!...
                  Lourenço – Quem é o senhor? É marido desta senhora? É seu pai? É seu tio? É seu
                         padrinho? É seu irmão? É seu parente? Com que direito intervém? Eu tenho ou não tenho razão? Fui
                         ou não fui caloteado?
                  Eusébio – Home, o sinhô se cale! Olhe que eu sou mineiro!
                  Lourenço – Não me calo, ora aí está! E declaro que não me retiro daqui sem estar pago e
                         satisfeito! (Senta-se.)
                  Eusébio – Seu home, olhe que eu...!
                  Lourenço (Erguendo-se.) – Eh! Lá! Eh! Lá! Agora sou eu que lhe digo que se cale! O
                         senhor não tem o direito de abrir o bico!...
                  Lola (Chorando.) – Que vergonha! Que vergonha!
                  Eusébio (À parte.) – Coitadinha!...
                  Lourenço – A princípio supus que o senhor fosse o amante desta senhora. Vejo que me
                         enganei... Se o fosse, já teria pago por ela, e não consentiria que eu a insultasse!...
                  Eusébio – Hein?
                  Lola (Erguendo-se correndo a Eusébio.) – Não! Não! Sou eu que não consinto que tu
                         apagues!... Não! Não tires a carteira! Eu mesma pagarei esta dívida!
                  Lourenço – Mas há de ser hoje, porque eu não me levanto desta cadeira (Torna a sentar-
                         se.)
                  Eusébio – Mas eu...
                  Lola  - Não! Não pagues! Esse dinheiro pedi-o para mandá-lo a minha mãe, que está em
                         Valladolid... Eu é que devo pagá-lo (Voltando suplicante para Lourenço.) ... mas não hoje!...
                  Lourenço  (Batendo com a bengala.) – Há de ser hoje!...
                  Lola – Não posso! Não posso!...
                  Lourenço  - Não pode?... Dê-me esse par de bichas que traz nas orelhas e ficarei satisfeito!
                  Lola  - Essas bichas custaram três contos!
                  Lourenço – São os juros.
                  Lola – Pois bem! (Vai tirar as bichas.)
                  Eusébio (Pegando-lhe no braço.) – Não tira as bichas, Lola!... (Ao credor.) – Seu
                         desgraçado, não tenho dois conto aqui no borso, mas me acompanha na casa do meu correspondente,
                         na Rua de São Bento... vem recebê o teu mardito dinheiro!
                  Lourenço (Batendo com a bengala.) – Já disse que daqui não saio!
                  Lola (Abraçando Eusébio.) – Não, Eusébio, meu querido Eusébio! Não...
                  Eusébio (Sem dar ouvidos a Lola.) – Pois não sai, não sai, desgraçado! (Desvencilhando-se
                         de Lola.) Espera aí sentado, que eu vou buscá teu dinheiro! (Sai arrebatadamente. Lola, depois de
                         certificar-se de que ele realmente saiu, volta, e desata a rir às gargalhadas. Lourenço levanta-se,
                         tira os óculos, as barbas e o chapéu, e também ri às gargalhadas.)

                                                       -   Cena III –
                                                         Lola, Lourenço

                  Lola – Soberbo! Soberbo! Foi uma bela idéia! Toma um beijo! (Dá-lhe um beijo.)
                  Lourenço -  Aceito o beijo, mas olhe que não dispenso os vinte por cento.
                  Lola – Naturalmente.
                  Lourenço -   Você há de convir que sou um grande artista!
                  Lola – E então eu?
                  Lourenço –Você também, mas se eu me houvesse feito cômico em vez de fazer cocheiro,
                         estava a estas horas podre de rico!

                                                       Tango
                                                       -  I –
                                              Ai! Que jeito pro teatro!
                                                     Que vocação!
                                              Eu faria o diabo a quatro
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