Page 44 - A CAPITAL FEDERAL
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Ao lado meu, queridinho,
Será ditoso e feliz;
Terás todo o meu carinho,
É o meu amor que to diz.
Se tu me amas como eu te amo,
Se respondes aos meus ais,
Nada mais de ti reclamo,
Não te peço nada mais!
Eusébio – Mas... me diz uma coisa, diabo, fala tua verdade... Tu tá inteiramente curada de seu
Gouveia?
Lola – Não me fales mais nisso ! Foi um sonho que passou. (Pausa.) A propósito de
sonho... foste ver na vitrine do Luís de Resende o tal broche com que eu sonhei?
Eusébio (Coçando a cabeça.) – Fui... sabe quanto custa?
Lola (Com indiferença.) – Sei... uma bagatela... um conto e oitocentos... (Sobe e vai de novo observar à
porta da esquerda.)
Eusébio (À parte.) – Sim, é uma bagatela... a espanhola gosta de mim, é verdade, mas em
tão poucos dias já me custa cinco contos de réis! E agora o colar!...
Lola (À parte.) – Que demora! (Alto, descendo.) Mas enfim? O colar? Se é um sacrificío, não
quero!
Eusébio – O home ficou de fazê um abartimento e me mandá a resposta.
Lola (À parte.) – É meu!
Eusébio – Se ele deixá por um conto e quinhento, compro! Não dou nem mais um vintém.
Lola (À parte.) – Sobem a escada. É ele!...
Eusébio – Parece que vem gente. (Batem com força à porta.) – Quem é?
Lola – Deixa. Eu vou ver. (Vai abrir a porta. Lourenço entra arrebatadamente. Traz
óculos azuis, barbas postiças, chapéu desabado e veste um sobretudo com a gola erguida. Lola
finge-se assustada.)
- Cena II -
Os mesmos, Lourenço
Lourenço – Minha rica senhora, folgo de encontrá-la!
Eusébio – Que é isso?
Lourenço – Fui entrando para não lhe dar tempo de me mandar dizer que não estava em
casa! É esse o seu costume!
Lola – Senhor!
Eusébio – Quem é este home danado?
Lourenço – Quem sou?.. Um credor que quer o seu dinhero! Quer saber também quem é
esta senhora? Quer saber? É uma caloteira!
Lola – Que vergonha! (Cai sentada e cobre o rosto com as mãos.)
Eusébio – O sinhô é um grande marcriado! Não se insurta assim uma fraca muié que está
em sua casa! Faça favô de saí!...
Lourenço – Sair? Eu não saio daqui sem o meu rico dinheiro! O senhor, que tem cara de
homem sério, naturalmente há de julgar que sou um grosseirão, um bruto; mas não imagina a
paciência que tenho tido até hoje! (Batendo com a bengala no chão.) Venho disposto a receber o
meu dinheiro!...
Eusébio – Mas dinheiro de quê?
Lourenço – De quê? Como de quê... Dinheiro que me deve esta senhora! Dinheiro limpo,
que me pediu há quatorze meses para pagar no fim de trinta dias!
Lola ( Descobrindo o rosto muito chorosa.) – Com juros de sessenta por cento ao ano.
Lourenço – Eu dispenso os juros! Isto prova que não sou nenhum agiota! O que eu quero,
o que eu exijo, é o meu capital, os meus dois contos de réis, que me saíram limpinho da algibeira e
seriam quase o dobro com juros acumulados!
Lola (Suplicante.) – Senhor, eu pagarei esse dinheiro logo que puder... Poupe-me tamanha
vergonha diante deste cavalheiro que estimo e respeito!