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É por causa de uma fantasia que eu escolho, como contei alguns parágrafos atrás, viajar
        para a Escócia — e não para os Estados Unidos ou a Nova Zelândia. Tudo de concreto que

        acontecer lá terá começado décadas atrás, nas histórias das Terras Altas que lia na minha
        infância. É pela fantasia que os britânicos, assim como a minha amiga aqui, suspenderam sua
        rotina para falar do noivado do Príncipe William com a plebeia Kate Middleton. E não pela

        união concreta de um homem que começa a ficar calvo e de uma mulher que pouco se sabe
        além do fato de ser filha de uma aeromoça. É possivelmente devido à fantasia que o mundo

        não tenha perdoado Charles, o pai de William, por ter desejado ser o tampax de Camilla
        Parker-Bowles. Afinal, como ele teve o desplante de destruir, num devaneio sexual, todos os
        nossos melhores e mais puros enredos de príncipes e princesas, que Diana tão bem soube

        aproveitar em seu marketing pessoal?
          Temos a fantasia como algo menor em nossas vidas, quase um acessório decorativo. Como

        algo que supomos pertencer mais à infância do que à vida adulta. Nos equivocamos, porém.
        A fantasia é parte de nós e se faz presente em cada ato cotidiano. E não exatamente separada
        da realidade, como pensamos. Em geral não dá para dissociar fantasia de realidade, já que

        uma está imbricada na outra, influenciandose e transformando-se mutuamente. Há grandes
        chances, inclusive, de que o nosso último pensamento antes de morrer seja uma fantasia

        sobre a nossa passagem por esse mundo — ou sobre o que nos espera em algum outro —
        feita da matéria obtida no arsenal de sonhos de uma vida inteira.
          Em seu livro anterior, Fadas no divã (Artmed, 2006), Diana e Mário Corso se debruçaram

        sobre os contos de fadas, as histórias e personagens que habitam a infância e nos ajudaram
        a lidar com nossos medos, desejos e dilemas. Nesse novo livro, os autores focam na cultura

        pop. Filmes, seriados e livros, especialmente, que, por mobilizarem milhões e permanecerem
        no imaginário de uma geração ou de várias, são o que mais perto nossa época alcança de
        uma mitologia que organiza não a vida de todos, mas a de muitos.

          Esse livro delicioso nos ajuda a refletir sobre as fantasias compartilhadas de nossa época.
        Com a certeza de que nossas histórias preferidas são decisivas para nos tornarmos o que
        somos. Determinantes na conformação do companheiro, amante, pai ou mãe e também do

        profissional que somos ou seremos. Não somos muito diferentes das crianças que pedem
        para  ouvir  a  mesma  história  muitas  e  muitas  vezes  para  terem  certeza  do  final  —  e  a

        sensação de algum controle sobre o que nelas provoca confusão e medo. É bem parecido o
        que fazemos ao revermos, sempre que possível, os filmes, seriados e até as novelas com as
        quais nos identificamos de diferentes maneiras.

          O que a série de ficção científica Alien nos diz sobre a maternidade, por exemplo? Ou Os
        Simpsons, do novo lugar do pai na família contemporânea? Ou os androides de Blade Runner,
        sobre  a  queixa  do  filho  de  que  o  pai  não  ocupa  mais  o  papel  tradicional?  Ou  ainda  Os
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