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do que costumamos admitir e que permeiam a vida de amigos próximos, quando não a
nossa.
Em um casal não existe agressor sem que exista uma vítima. Sabemos disso, mas nem
sempre lembramos. Em algum momento, agressor e vítima tiveram um encontro — e os
encontros só acontecem quando um tem o que o outro busca. Entender o que permitiu esse
encontro — e, principalmente, o que faz com que ambos permaneçam numa relação
destrutiva — é essencial para poder quebrar o ciclo de violência ou para criar uma outra
identidade na relação que não seja a de vítima nem de agressor.
Ao me referir ao papel da vítima, não estou dizendo que a mulher é culpada, “pediu”, como
bradam tantos cretinos por aí. Estou falando sobre algo mais importante que a culpa. O que
de meu engatou no que é do outro e permitiu que uma relação amorosa se tornasse também
uma relação violenta. E o que me fez permanecer apesar da violência já desvelada.
É ruim para a mulher se ela só for vista como vítima — e só se enxergar como vítima. É
verdade, ela foi vítima. Mas ser vítima não é tudo o que ela é. Me parece fundamental que
cada mulher metida numa relação violenta consiga buscar dentro de si — e tenha ajuda para
buscar dentro de si — qual é ou foi a sua parte nessa arapuca. Acho difícil conseguir romper
a violência se não encontrarmos o que há de ativo mesmo na nossa passividade. Ao se
apropriar do que é nosso, é possível nos tornarmos mais inteiras — mulheres melhores para
nós mesmas. É possível também criarmos enredos mais interessantes para a nossa vida
afetiva.
No filme, em pelo menos dois depoimentos de homens, aparece o que poderia ser
chamado de “violência da vítima”. Em um deles, um dentista que hoje espanca as mulheres
e namoradas conta que sua mãe era espancada pelo pai. Mas que antes de o pai levantar a
mão pela primeira vez, a mãe o humilhava diariamente. Este filho — entre o pai e a mãe
possivelmente até hoje — justifica a violência física do pai com uma violência anterior da
mãe, psíquica e verbal. Em outro depoimento, o homem que tinha esfaqueado uma
namorada, fala de sua humilhação. Diz que gostaria de criar uma lei com o nome dele para
proteger os homens da violência da mulher.
Nos casos denunciados, é comum esse tipo de justificativa. Não serve como atenuante.
Nada justifica um espancamento ou qualquer outra agressão. Quem pratica a violência tem
de ser impedido, denunciado, julgado e punido. Mas acredito que seja importante escutar o
que dizem os agressores — e escutar para além do pensamento que descarta narrativas
como essa como mera canalhice.
Existe uma violência que não se expressa fisicamente. E ela também é destruidora.
Algumas mulheres costumam manipular com maestria essa arma subjetiva, que não deixa
hematomas visíveis. Raramente um homem espanca uma mulher no primeiro dia. Em geral