Page 114 - C:\Users\Leal Promoções\Desktop\books\robertjoin@gmail.com\thzb\mzoq
P. 114

do que costumamos admitir e que permeiam a vida de amigos próximos, quando não a
        nossa.

          Em um casal não existe agressor sem que exista uma vítima. Sabemos disso, mas nem
        sempre lembramos. Em algum momento, agressor e vítima tiveram um encontro — e os
        encontros só acontecem quando um tem o que o outro busca. Entender o que permitiu esse

        encontro  —  e,  principalmente,  o  que  faz  com  que  ambos  permaneçam  numa  relação
        destrutiva — é essencial para poder quebrar o ciclo de violência ou para criar uma outra

        identidade na relação que não seja a de vítima nem de agressor.
          Ao me referir ao papel da vítima, não estou dizendo que a mulher é culpada, “pediu”, como
        bradam tantos cretinos por aí. Estou falando sobre algo mais importante que a culpa. O que

        de meu engatou no que é do outro e permitiu que uma relação amorosa se tornasse também
        uma relação violenta. E o que me fez permanecer apesar da violência já desvelada.

          É ruim para a mulher se ela só for vista como vítima — e só se enxergar como vítima. É
        verdade, ela foi vítima. Mas ser vítima não é tudo o que ela é. Me parece fundamental que
        cada mulher metida numa relação violenta consiga buscar dentro de si — e tenha ajuda para

        buscar dentro de si — qual é ou foi a sua parte nessa arapuca. Acho difícil conseguir romper
        a violência se não encontrarmos o que há de ativo mesmo na nossa passividade. Ao se

        apropriar do que é nosso, é possível nos tornarmos mais inteiras — mulheres melhores para
        nós mesmas. É possível também criarmos enredos mais interessantes para a nossa vida
        afetiva.

          No  filme,  em  pelo  menos  dois  depoimentos  de  homens,  aparece  o  que  poderia  ser
        chamado de “violência da vítima”. Em um deles, um dentista que hoje espanca as mulheres

        e namoradas conta que sua mãe era espancada pelo pai. Mas que antes de o pai levantar a
        mão pela primeira vez, a mãe o humilhava diariamente. Este filho — entre o pai e a mãe
        possivelmente até hoje — justifica a violência física do pai com uma violência anterior da

        mãe,  psíquica  e  verbal.  Em  outro  depoimento,  o  homem  que  tinha  esfaqueado  uma
        namorada, fala de sua humilhação. Diz que gostaria de criar uma lei com o nome dele para

        proteger os homens da violência da mulher.
          Nos casos denunciados, é comum esse tipo de justificativa. Não serve como atenuante.
        Nada justifica um espancamento ou qualquer outra agressão. Quem pratica a violência tem

        de ser impedido, denunciado, julgado e punido. Mas acredito que seja importante escutar o
        que dizem os agressores — e escutar para além do pensamento que descarta narrativas
        como essa como mera canalhice.

          Existe  uma  violência  que  não  se  expressa  fisicamente.  E  ela  também  é  destruidora.
        Algumas mulheres costumam manipular com maestria essa arma subjetiva, que não deixa

        hematomas visíveis. Raramente um homem espanca uma mulher no primeiro dia. Em geral
   109   110   111   112   113   114   115   116   117   118   119