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Waltons,  para  quem  se  lembra  de  John  Boy  e  Mary  Ellen,  sobre  a  família  perfeita  que
        ninguém jamais teve?

          Assim como as crianças que fomos têm muito a agradecer à madrasta da Branca de Neve,
        por ter nos ajudado a elaborar a raiva que às vezes sentíamos de nossa mãe, mas que não
        ousávamos pronunciar, os adultos que somos têm muito a agradecer ao bebê Alien, que

        “nasce” do tórax dos humanos, encarnando alguns de nossos medos mais impronunciáveis.
          A ficção nos ajuda a lidar com nossa realidade mais profunda. E só pode nos ajudar porque

        é real. Se não fosse, filmes, livros e seriados que marcaram a vida de muitos não teriam
        sucesso nem ganhariam permanência. Não se trata apenas de entretenimento, algo menor
        e menos importante, mas de nossa própria carne. Os vampiros da série literária Crepúsculo,

        ainda que mais palatáveis e limpinhos que seu bisavô imortal, o Drácula de Bram Stoker, só
        vivem em nós — ainda que mortos — porque a relação entre sexo e morte faz parte do que

        somos e do que nos inquieta no que somos.
          Engana-se quem pensa que fantasiar é algo incompatível com a vida adulta. Ao contrário.
        O que fazemos por nossa existência inteira é justamente inventar uma vida. Que sempre será

        em boa medida uma ficção. Quando nascemos, é a mãe que inicia a nossa narrativa, quem
        nos conta que somos alguém pelo seu olhar e pelo seu toque. Para que pudéssemos existir,

        nossos pais precisaram antes nos imaginar. O livro do bebê será nosso primeiro diário, a
        primeira história que dá conta de nossa existência como indivíduo. E depois da mãe e do pai
        virão os avós, os irmãos mais velhos e os personagens do mundo para além da casa. Nos

        tornamos adultos quando enroscamos em nosso próprio dedo o fio da narrativa de nossa
        vida.

          Acredito que  perceber  a  presença  da  fantasia na  trama  de  nosso  destino  nos  ajuda a
        derrubar algumas crenças pessoais e coletivas que nos atrapalham. E mais nos atrapalham
        porque  as  confundimos  com  verdades  absolutas  e  irrevogáveis.  Assim  como  acolher  a

        fantasia no cotidiano pode nos tornar pessoas menos enrijecidas — ou menos paralisadas —
        por medos que não conseguimos nomear. Não é que podemos crescer e seguir sonhando. A

        questão é que só podemos crescer se seguirmos sonhando. Como nos lembra a epígrafe de
        A psicanálise na Terra do Nunca, na frase brilhante de Fabrício Carpinejar: “A imaginação é
        o direito constitucional para viver de novo. Não desperdice a vida com uma única vida”.

          Não por acaso o título do livro refere-se à Terra do Nunca, o território fantástico e mutante
        descrito por J.M. Barrie. Como lembram os autores, num determinado momento Peter Pan
        pede a Wendy que volte para a Terra do Nunca. Para convencê-la, usa um argumento forte.

        Wendy  poderia  ensinar  os  Meninos  Perdidos  a  contar  histórias.  Se  eles  aprendessem,
        poderiam crescer.
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