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Tapas e beijos
O novo filme de João Jardim, Amor? (Prêmio do Júri Popular no Festival de Brasília), narra
histórias reais de violência nas relações de casal. Depois de ouvir 60 depoimentos de homens
e mulheres anônimos que cometeram ou foram vítimas de agressões, o diretor escolheu oito
para serem interpretados por atores. Quando assisti a Amor?, deixei a sala pensando ter
visto um filme bom com alguns momentos excepcionais, como as interpretações de Lilia
Cabral e Julia Lemmertz. Depois, o filme colou em mim. Passei dias me interrogando a partir
de questões suscitadas por ele. A força de Amor? está em fugir da simplificação tão mais fácil
para todos nós: a da pobre mulher submissa espancada por um homem mau.
Os depoimentos nos envolvem e falam com partes mais ou menos invisíveis de nós. Os
papéis de vítima e algoz têm contornos menos definidos do que gostaríamos. É nos detalhes
que vamos pressentindo a aproximação da violência. Acho difícil que, em algum momento,
diferente para cada um, quem assiste não se identifique com alguma frase, algum ato desse
laço entre amor e violência que prende duas pessoas adultas.
É aí que o filme acerta mais. Ao fugir dos casos que viram manchete de jornal, aqueles com
os quais podemos nos horrorizar e respirar aliviados porque jamais seríamos os
protagonistas, ele fala de algo mais insidioso, de uma violência que também é nossa. Com
isso, não permite que, ao assisti-lo, permaneçamos descolados, achando que aquilo é de um
outro e acontece a um outro que nada tem a ver com a gente ainda bem.
Como disse a atriz Silvia Lourenço, durante o debate após a exibição: “O filme mexe com
o nosso lado sombrio. Me fez pensar sobre o quanto eu me submeto nos meus
relacionamentos. Todo mundo tem o lado A e o lado B. Quem assiste ao filme se identifica
com ele. Por isso é poderoso e transformador”. Silvia vive uma mulher numa relação
homossexual em que o amor vai se tornando violento. Como o depoimento é longo, é
dividido com outra atriz. Mas ambas vivem a mesma personagem.
Quando um homem agride uma mulher, está cometendo um crime. A Lei Maria da Penha,
que criou mecanismos mais eficientes e penas mais rigorosas para reprimir a violência
doméstica contra a mulher, é uma grande conquista. Disso todos sabemos. O que é pouco
discutido, me parece, é a contribuição da vítima para a violência. Aqui não me refiro a
psicopatas, que perseguem ou colocam suas vítimas em cárcere privado, nem a casos
extremos, como o da própria Maria da Penha. Me refiro a histórias muito mais frequentes