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imagem da qual podem se descolar. É só mais uma cena que, como tantas a que assistimos
        todos os dias, não sabemos mais se é realidade ou ficção. Não é que não sabemos, apenas

        que  parece  que  não  importa,  agora  que  os  limites  estão  distendidos.  Por  que  apenas
        assistimos às cenas — não as vemos nem entramos em contato.
          E é essa a grande diferença num mundo de tanta visibilidade e tão pouco contato real. E o

        real aqui não é uma oposição entre o real e o virtual, mas o real real. Eu vejo você, eu toco
        em você, eu sinto a sua dor e me sujo com o seu sangue, ainda que seja pelo computador. É

        um jeito de estar no mundo e se relacionar com o outro disposto a se deixar tocar e a assumir
        os riscos de se deixar tocar. Me parece que estamos cada vez menos dispostos a isso —
        apesar de termos uma possibilidade grandiosa de acesso ao outro por conta da internet. Será

        que é isso? Dezenas de amigos no Facebook e nenhum contato real, no sentido de se deixar
        transtornar e transformar pelo outro, para além das amenidades e da persistente troca de

        informações?
          Será que é por isso que podiam rir? Por que não tinham nenhuma conexão com aquele
        outro ser humano? É curioso que agora o verbo conectar é mais usado para nos ligarmos a

        uma máquina que nos leva instantaneamente para a vida dos outros. Pela primeira vez
        somos capazes de nos conectar ao mundo inteiro. O que é mais fácil do que se conectar a

        uma só pessoa — ao homem doente que atravessa o corredor do shopping diante de nós. É
        curioso como agora podemos nos conectar — para nos desconectarmos.
             E se, ao contrário, riam porque se sentiam tão conectadas a ele que precisavam rir para

                                                                                                         suportar?
        Pensei então que talvez pudesse ser essa a razão. Aquelas pessoas realmente enxergavam
        aquele  homem  —  e  por  enxergar  é  que  precisavam  rir,  se  cutucar  e  apontar.  Porque a

        fragilidade dele também é a delas, a de cada um e a de todos.
          Nada nos garante que em algum momento da vida não estaremos nós também tentando

        atravessar o corredor do shopping por onde hoje caminhamos sem sentir. Nada nos assegura
        de que um dia não seremos nós a quase cair a cada passo. Se tivermos sorte e não morrermos
        de bala perdida ou de acidente de carro, como afirmar que não usaremos fralda geriátrica

        ou tentaremos cobrir nossa calvície ou as marcas de uma quimioterapia com uma peruca
        que apenas denuncia aquilo que queríamos esconder?
          Talvez  seja  essa  a  razão.  Precisaram  rir,  cutucar  e  apontar  para  ter  a  certeza  —

        momentânea e ilusória — de que ele não era elas. Não seria nunca. Só apontamos para o
        outro, para o diferente, para aquele que não somos nós. E quando apontamos para alguém

        é justamente para denunciar que ela não é como nós.
          Nesse caso, teria sido para se certificar. Elas diziam: Olha que peruca ridícula. Ou: Você viu
        que ele está de fralda? Mas na verdade estavam dizendo: O que acontece com ele nunca

        acontecerá comigo. Ou:
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