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conquistar uma autoria no mundo, ainda que efêmera, Lisbeth mergulha no anonimato.
Renascida na internet, ela é reconhecida apenas por seus pares, outros hackers, mas não
com um nome — e sim com um codinome. Lisbeth, ao contrário dos homens e mulheres da
geração de Mikael Blomkvist, não se interessa por construir um nome. Sua salvação e sua
liberdade estão no anonimato. Lisbeth realiza feitos fantásticos, mas não reivindica nem
autoria, nem créditos.
A outra face essencial de Lisbeth é o não pertencimento. Estrangeira em um mundo sem
fronteiras, o conceito de nação não faz parte do planeta dela. Lisbeth é mais familiarizada —
e a escolha do termo é proposital — com o hacker sem nome de lugar nenhum do que com
o vizinho de porta. Lisbeth não tem chaves — tem senhas. Estar em Estocolmo ou em
Pequim, para ela tanto faz. Ela não é estrangeira por pertencer a um outro país, ela é
estrangeira como um ser em si. Ela é estrangeira diante do outro — ou de quase todos os
outros — porque o olhar do outro para ela não faz a menor diferença. Ela não reconhece
esse olhar, estrangeira que é frente à sua própria espécie. Ser estrangeira, para Lisbeth, é
parte da nova condição humana.
Lisbeth Salander é andrógina, miúda e parece anoréxica — “é metabólico, não engordo”,
diz no filme americano. Come junk food, fuma um cigarro atrás do outro, circula pela noite
underground. Parece frágil, mas é forte. E se vinga. É marcada — e faz marcas. Sem confiar
na lei e no Estado, faz justiça na ilegalidade e nas margens. Para ela, esses limites não
existem, o mundo não se coloca mais nesses termos. Todas essas convenções, no olhar e
na experiência de Lisbeth Salander, já apodreceram. Em sua moto pelas estradas — ou
escondida sob o seu capuz —, ela talvez seja a nova mulher, aquela que se recusa a ser
vítima, mas que jamais queimará sutiãs em praça pública. Lisbeth Salander é a nova mulher
na medida em que também é o novo homem.
13 de fevereiro de 2012