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imposta pela ditadura militar, boa parte dos vivos de hoje nem sequer tinha nascido ou ainda
era criança, como eu. Agora, não. Estamos todos aqui.
Conhecer a Amazônia exige um movimento — e um desejo maior. Assistir ao filme é muito
fácil. Se puderem, assistam ao Xingu e, na última cena, uma das mais belas do nosso cinema,
se enfiem na pele de um dos Irmãos Villas Bôas e percebam que, querendo ou não, é diante
desse olhar que nós todos estamos — agora.
Acho que esse é o mérito dos grandes filmes: não permitir que nos instalemos no conforto
eterno da poltrona de cinema. Tornar impossível o pensamento cômodo de que aquilo não
nos diz respeito — seja porque já aconteceu, seja porque é a dor de um outro muito
diferente. Ou ainda porque não nos convém — e nos acreditamos a salvo. E aqui não se trata
da arte utilitarista ou engajada, mas do fato de que os bons filmes, assim como a boa
literatura, nos confrontam com pessoas complexas num mundo complexo — e não meros
heróis num mundo plano. Como quando Cláudio Villas Bôas diz, ao perceber que, salvando,
ele também destrói: “Somos o veneno e o antídoto”. Ou: “Há uma coisa deles que morre
para sempre assim que a gente encosta”.
É por acolher o conflito que os bons filmes, mesmo que nos contem de mundos e de gentes
distantes, ecoam na nossa vida. Pescam nossos demônios internos e os fazem dançar diante
dos nossos olhos. Os bons filmes, como os bons livros, nos transtornam por dentro, mesmo
que ninguém fique sabendo, porque só a nós diz respeito; e nos transtornam de dentro para
fora, como nesse caso, ao percebermos que a omissão também é um tipo de protagonismo.
Os bons filmes são como os bons governos: acolhem o conflito e dialogam com o
contraditório. Os maus filmes são como os maus governos: calam os conflitos e chamam o
contraditório de “fantasia”. Xingu é um bom filme.
Os realizadores de Xingu já tinham deixado explícita a intenção de, ao contar a epopeia
histórica dos Irmãos Villas Bôas, criar uma oportunidade para pensar sobre os dilemas do
Brasil atual. “Se o filme conseguir trazer a história desses caras para uma discussão do futuro
e do presente seria muito legal. Apesar de ser um filme de época, é muito contemporâneo.
Uma das coisas que me encantaram nessa história foi essa possibilidade de discutir coisas
contemporâneas contando uma história do século passado”, disse à imprensa Cao
Hamburger, o diretor, durante o lançamento do filme. E, em outro momento: “A ideia é que
a gente repense a maneira como somos. O que é o progresso hoje? Que crescimento a gente
quer?”.
Também os atores, ao viverem o Xingu para encenar o Xingu, confrontaram-se com os
conflitos vividos por seus personagens — mas também os incorporaram como cidadãos
diante da experiência para além da filmagem. “Os Villas Bôas fizeram uma previsão: que o
encontro (entre brancos e índios) era inevitável e a civilização ia chegar à fronteira do rio.
Eles chamavam isso de ‘abraço da morte’. De avião a gente vê claramente a devastação ao