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“adotou-a”. Ou aquele que adotou uma criança e “adotou-a”. São dois atos — e não um. E o
segundo é mais difícil, demorado e cheio de percalços.
Que o pai biológico de Luciane se responsabilize ou seja responsabilizado pelo sustento
material da filha ninguém discute. Mas não é possível obrigá-lo a ocupar a função paterna
no sentido mais amplo e subjetivo. Não há como obrigar ninguém a ser pai ou mãe no sentido
pleno. Se o Superior Tribunal de Justiça acredita ter esse poder e que, para exercê-lo, bastaria
obrigar um pai a pagar um valor em dinheiro, está completamente equivocado.
Todos nós temos de lidar com o que consideramos ausência ou falta de afeto, em várias
medidas ao longo da vida. Faz parte da complexidade das relações humanas. E faz parte do
humano do nosso tempo acreditar que nunca se é amado o suficiente — não só pelos pais,
mas pelos filhos, pelos namorados, pelos maridos e pelas esposas, pelos amigos, pelo mundo
inteiro.
Temos de lidar com as faltas inerentes a qualquer vida da melhor forma que conseguirmos
— e lidar com isso significa crescer. E crescer significa parar de choramingar e seguir adiante.
Acho grave que a Justiça considere legítimo cristalizar essa mulher adulta no lugar de vítima
e de menina abandonada. E congelar esse homem no lugar de pai ausente e de algoz. A vida
é mais complicada que isso. E um juiz tem o dever de compreender isso. As implicações
públicas da sentença do STJ, na minha opinião uma decisão desvairada, ecoarão na vida de
todos nós.
Em entrevista à rádio CBN, a ministra Nancy Andrighi afirmou que a decisão do STJ “analisa
os sentimentos das pessoas”. Se analisa, ministra, errou. Não cabe ao STJ ou a qualquer
tribunal analisar “sentimentos” e desferir punições pela ausência ou excesso de
“sentimentos”. Isso colocaria os juízes em lugar bastante indevido.
A ministra também disse: “Não se pode negar que tenha havido sofrimento, mágoa e
tristeza, e que esses sentimentos ainda persistam, por ser considerada filha de segunda
classe”. Alguém conhece uma vida ou mesmo uma relação entre pais e filhos que não tenha
sofrimento, mágoa ou tristeza mútuas? Como é que uma juíza pode comprar a versão de
filha de “segunda classe” de uma forma tão barata?
A ministra ainda disse mais: “Todo esse contexto resume-se apenas em uma palavra: a
humanização da Justiça”. Pelo contrário, me parece que a decisão ignora justamente a
complexidade e a ambivalência das relações humanas. E desumaniza, ao compensar afeto
com dinheiro — o que também é mais um dado interessantíssimo da nossa época de relações
monetarizadas.
Luciane, por sua vez, afirma que não sente “raiva ou mágoa” do pai. Só quer “justiça”. Se
colocar o pai no banco dos réus e dizer ao país inteiro que ele é um pai ausente, relatando
suas desventuras nos mínimos detalhes, não é uma vingança monumental, eu não sei o que
é. Mas que Luciane busque isso, podemos até compreender. Que um tribunal legitime a